Jesus nos ensinou que somos eternos, que nossa vida não termina com a morte, que o Pai nos criou para vivermos com Ele por toda a eternidade, desfrutando da vida em plenitude.
Um grande perigo que cerca o ser humano é descuidar-se da vida eterna, da própria salvação, vivendo a vida neste mundo como se tudo fosse aqui, como se o mais importante fossem as coisas que vivemos apenas aqui.
É verdade que não podemos desprezar a vida atual, pois tudo o que Deus nos permite viver neste mundo, que não esteja ligado ao pecado, é nobre, belo, bom e verdadeiro. Planejar o futuro, a própria profissão, lutar por condições dignas para si e para a família; lutar para que o mundo seja bom para todos, se divertir de modo saudável, desenvolver seus dons, entre tantas outras coisas semelhantes, são ações agradáveis e não estão fora do Plano de Deus para o ser humano. No entanto, viver como se estas coisas fossem as essenciais e descuidar-se da própria salvação e da salvação dos filhos e do próximo, é imperdoável.
Muitas vezes vejo pessoas de bem que, infelizmente, se tornaram estranhas às coisas da fé, que não se sentem à vontade nas celebrações, que não conhecem quase nada da fé que professam. Porém, sabem tanto sobre suas profissões, futebol, filmes, séries de TV, música, etc.
Fico impressionado que, sabendo que somos eternos, se descuidem daquelas coisas que são fundamentais para a salvação, tais como a recepção da Eucaristia, a confissão dos pecados, o louvor de Deus, as obras de misericórdia. Claro, sabemos que uma vida bonita, vivida no amor ao próximo é fundamental para a salvação, pois de nada adiantaria uma fé sem obras, desligada da vida, feita apenas de atos formais. Contudo, não dar atenção à Palavra de Deus, sem saber quase nada dela, enquanto se “devora” livros e mais livros, filmes e séries de TV; não saber quase nada da Missa, onde Cristo se dá a nós na Palavra e na Eucaristia, enquanto se sabe tudo sobre o próprio time, sobre economia e política, sobre jogos virtuais, é indesculpável. Na verdade, trata-se ou de um desconhecimento sobre a importância da religião ou, o que seria pior, de menosprezo pelas coisas de Deus.
A religião, assim como tantas outras coisas na vida, exige a familiaridade para ser apreciada. Ninguém se apaixona por futebol sem conhecê-lo, sem se interessar, sem ver jogos e conhecer suas regras. Da mesma forma, ninguém terá prazer nas práticas religiosas sem conhecer o porquê dos ritos, sem se interessar pelas músicas, pelo conhecimento da Missa, sem praticar com disciplina a oração. Só amamos aquilo que conhecemos e com a religião, não será diferente. Simplesmente dizer que as práticas religiosas são enfadonhas, ou que não se tem interesse por elas, é um descaso com a salvação que pode custar muito caro.
Fico pensando... como filhos pequenos vão se interessar pela fé, se veem seus pais, quando muito participarem mecanicamente dos ritos religiosos, com frieza e enfado, contando os minutos para que tudo termine logo? Como deixarão a seus filhos o maior de todos os tesouros que é uma fé viva, o conhecimento de Deus e o amor ao Evangelho e às obras dele derivadas, se não demonstram paixão por nada disso? Sem paixão pelo que se faz, não se consegue empolgar ninguém.
“Ora, o mundo passa, e a sua concupiscência; mas aquele que faz a vontade de Deus, permanece para sempre” (1 Jo 2,17). Talvez seja tempo de nos perguntarmos: como foi que nos tornamos estranhos às coisas de Deus, como foi que perdemos o gosto por aquilo que nossa alma tem sede, mesmo que ainda não o saibamos ou não queiramos admitir? Como foi que cavamos para nós poços furados, que não podem reter água (Cf. Jr 2,13) deixando de lado a Água Viva que só Jesus Cristo nos pode oferecer? Como foi que deixamos de considerar que nos aguarda a vida eterna, mergulhando tão a fundo nas coisas de uma vida finita?
Por, Dom Walter Jorge Pinto
Bispo da Diocese de União da Vitória.