Prof. Paulo Eduardo de Oliveira: paulo.eduardo.oliveira@hotmail.com
Qual é a fonte da espiritualidade cristã? Certamente, é na pessoa e na mensagem de Jesus Cristo que os cristãos encontram a fonte da sua espiritualidade. É no seguimento de Jesus, na contemplação e imitação de sua vida, que os cristãos encontram a raiz da “vida segundo o Espírito” (Rm 8,1-13).
Para os casais cristãos, também é (e não poderia ser diferente) na pessoa e na mensagem de Jesus Cristo que se encontra a fonte da espiritualidade matrimonial. Como os esposos devem se amar? Olhando para Jesus Cristo e procurando imitá-lo na forma como ele mesmo amou a sua Igreja e amou a humanidade toda.
A Exortação Familiaris Consortio, de São João Paulo II, no parágrafo 13, apresenta-nos Jesus Cristo justamente como o centro da espiritualidade do matrimônio. No Antigo Testamento, o amor e a comunhão de Deus pela humanidade é muitas vezes comparado ao amor do esposo pela esposa. Retomando esta bela metáfora bíblica, assim se expressa o Papa João Paulo II: “A comunhão entre Deus e os homens encontra o seu definitivo cumprimento em Jesus Cristo, o Esposo que ama e se doa como Salvador da humanidade, unindo-a a Si como seu corpo” (Exortação Familiaris Consortio, n. 13).
Cristo, portanto, é a expressão máxima do amor de Deus pela humanidade. Se os casais querem iluminar a sua vida matrimonial com a luz que vem de Deus, devem também espelhar-se no amor de Jesus. Entenderão, desse modo, que o amor é muito mais do que um sentimento ou atração, que vem e que passa, como os meios de comunicação costumam pregar hoje em dia. Mais do que um simples sentimento ou emoção, o amor é a capacidade de entregar a própria vida por quem se ama, como fez Jesus. Somente assim as palavras ditas na celebração do matrimônio cristão podem encontrar verdadeiro sentido: “Eu prometo amar-te e respeitar-te, na alegria e tristeza, na saúde e na doença, todos os dias da nossa vida”. Podemos entender, dessa forma, que o amor matrimonial não pode estar sustentado na imagem fantasiosa desse tipo de amor mundano, fixado no mero deleite e na simples satisfação de desejos e apetites. Usando conceitos da tradição grega, os casais cristãos devem compreender que o amor do matrimônio não pode ser apenas “eros” (amor carnal), mas também “filia” (amor de amigo) e, sobretudo, “ágape” (amor de doação e de entrega, amor como caridade). É na conjunção dessas três formas de amor que o casal cristão vai construindo a sua história de amor, sustentados pelo amor do próprio Cristo. Para aprofundar a temática do amor à imagem do amor de Deus, é de grande valor a leitura da Encíclica Deus Caritas Est, do Papa Bento XVI.
Os casais cristãos não podem se contentar com um “projeto” ou “modelo” de matrimônio ao gosto e sabor dos valores (e contra-valores) do mundo. Por isso, afirma o Papa João Paulo II: “Ele (Jesus Cristo) revela a verdade originária do matrimônio, a verdade do «princípio» (Gn 2,24; Mt 19,5) e, libertando o homem da dureza do seu coração, torna-o capaz de a realizar inteiramente” (Exortação Familiaris Consortio, n. 13). A verdade do matrimônio, para os cristãos, deve ser buscada na Palavra de Deus e no ensinamento da Igreja, e jamais nos maus exemplos disseminados todos os dias pelas novelas. O modelo de matrimônio das novelas está pautado num tipo esquizofrênico de amor, pois se trata de um amor-egoísmo, em que a flagrante contradição passa despercebida: ama-se enquanto o outro satisfaz meus desejos e interesses. É um amor pelo outro com foco no próprio indivíduo. O centro desse amor não é a pessoa amada, mas o umbigo de cada um. Isso jamais poderia merecer o título de amor. Pode ser tudo, menos amor!
Para os cristãos, o sentido profundo do verdadeiro amor é revelado por Jesus Cristo. “Esta revelação – afirma o Papa João Paulo II – chega à sua definitiva plenitude no dom do amor que o Verbo de Deus faz à humanidade, assumindo a natureza humana, e no sacrifício que Jesus Cristo faz de si mesmo sobre a cruz pela sua Esposa, a Igreja. Neste sacrifício descobre-se inteiramente aquele desígnio que Deus imprimiu na humanidade do homem e da mulher, desde a sua criação (Ef 5,32s); o matrimônio dos batizados torna-se assim o símbolo real da Nova e Eterna Aliança, decretada no Sangue de Cristo. O Espírito, que o Senhor infunde, doa um coração novo e torna o homem e a mulher capazes de se amarem, como Cristo nos amou. O amor conjugal atinge aquela plenitude para a qual está interiormente ordenado: a caridade conjugal, que é o modo próprio e específico com que os esposos participam e são chamados a viver a mesma caridade de Cristo que se doa sobre a Cruz” (Exortação Familiaris Consortio, n. 13).
Sob este enfoque, o amor matrimonial ganha seu verdadeiro sentido. Daí pode-se compreender, claramente, porque o divórcio não pode ser aceito pelos cristãos. Não se trata apenas de uma norma disciplinar da Igreja (uma simples “regra tradicional da Igreja”, como muitos jornalistas gostam de afirmar em matérias que tratam desta questão). A condenação do divórcio está fundamentada nessa compreensão do amor matrimonial que se assemelha ao amor de Cristo pela Igreja e pela humanidade. Cristo amou até o fim, dando sua vida pela Igreja: assim devem se amar também os esposos cristãos, sem jamais conceder que o vínculo do amor seja rompido.
É por isso que, para a Igreja, o matrimônio não é apenas um rito social, mas um Sacramento, isto é, um sinal visível e concreto da ação de Deus na vida das pessoas. Por isso, afirma o Papa João Paulo II, “em virtude da sacramentalidade do seu matrimônio, os esposos estão vinculados um ao outro da maneira mais profundamente indissolúvel. A sua pertença recíproca é a representação real, através do sinal sacramental, da mesma relação de Cristo com a Igreja” (Exortação Familiaris Consortio, n. 13).
Certamente não é fácil viver o amor matrimonial nessa perspectiva. Contudo, esse é o único modo de vive-lo na perspectiva da espiritualidade cristã. Aqui encontra-se, para os casais cristãos, a “porta estreita” (Mt 7,13-14) que conduz à vida. Que o Espírito Santo de Deus ilumine oscasais, para que aprendam a fazer da vida conjugal uma verdadeira vivência da espiritualidade cristã.