Homilia de Domingo: 02.04.2023
Evangelho
1ª Leitura – Is 50,4-7
Salmo – Sl 21,8-9.17-18a.19-20.23-24 (R.2a)
2ª Leitura – Fl 2,6-11
Evangelho – Mt 26,14-27,66
O que me dareis se vos entregar Jesus?
Naquele tempo, 14 um dos doze discípulos, chamado Judas Iscariotes, foi ter com os sumos sacerdotes 15 e disse: ‘O que me dareis se vos entregar Jesus?’ Combinaram, então, trinta moedas de prata. 16 E daí em diante, Judas procurava uma oportunidade para entregar Jesus.
Onde queres que façamos os preparativos para comer a Páscoa?
17 No primeiro dia da festa dos Ázimos, os discípulos aproximaram-se de Jesus e perguntaram: ‘Onde queres que façamos os preparativos para comer a Páscoa?’ 18 Jesus respondeu: ‘Ide à cidade, procurai certo homem e dizei-lhe: ‘O Mestre manda dizer: o meu tempo está próximo, vou celebrar a Páscoa em tua casa, junto com meus discípulos’.’19 Os discípulos fizeram como Jesus mandou e prepararam a Páscoa.
Um de vós vai me trair.
20Ao cair da tarde, Jesus pôs-se à mesa com os doze discípulos. 21 Enquanto comiam, Jesus disse: ‘Em verdade eu vos digo, um de vós vai me trair.’ 22 Eles ficaram muito tristes e, um por um, começaram a lhe perguntar: ‘Senhor, será que sou eu?’ 23 Jesus respondeu: ‘Quem vai me trair é aquele que comigo põe a mão no prato. 24 O Filho do Homem vai morrer, conforme diz a Escritura a respeito dele. Contudo, ai daquele que trair o Filho do Homem! Seria melhor que nunca tivesse nascido!’ 25 Então Judas, o traidor, perguntou: ‘Mestre, serei eu?’ Jesus lhe respondeu: ‘Tu o dizes.’
Isto é o meu corpo. Isto é o meu sangue.
26 Enquanto comiam, Jesus tomou um pão e, tendo pronunciado a bênção, partiu-o, distribuiu-o aos discípulos, e disse: ‘Tomai e comei, isto é o meu corpo.’ 27 Em seguida, tomou um cálice, deu graças e entregou-lhes, dizendo: ‘Bebei dele todos. 28 Pois isto é o meu sangue, o sangue da aliança, que é derramado em favor de muitos, para remissão dos pecados. 29 Eu vos digo: de hoje em diante não beberei deste fruto da videira, até ao dia em que, convosco, beberei o vinho novo no Reino do meu Pai.’ 30 Depois de terem cantado salmos, foram para o monte das Oliveiras.
Ferirei o pastor e as ovelhas do rebanho se dispersarão.
31 Então, Jesus disse aos discípulos: ‘Esta noite, vós ficareis decepcionados por minha causa. Pois assim diz a Escritura: ‘Ferirei o pastor e as ovelhas do rebanho se dispersarão.’ 32 Mas, depois de ressuscitar, eu irei à vossa frente para a Galileia.’ 33 Disse Pedro a Jesus: ‘Ainda que todos fiquem decepcionados por tua causa, eu jamais ficarei.’ 34 Jesus lhe declarou: ‘Em verdade eu te digo, que, esta noite, antes que o galo cante, tu me negarás três vezes.’ 35 Pedro respondeu: ‘Ainda que eu tenha de morrer contigo, mesmo assim não te negarei.’ E todos os discípulos disseram a mesma coisa.
Começou a ficar triste e angustiado.
36 Então, Jesus foi com eles a um lugar chamado Getsêmani, e disse: ‘Sentai-vos aqui, enquanto eu vou até ali para rezar!’ 37 Jesus levou consigo Pedro e os dois filhos de Zebedeu, e começou a ficar triste e angustiado. 38 Então Jesus lhes disse: ‘Minha alma está triste até á morte. Ficai aqui e vigiai comigo!’ 39 Jesus foi um pouco mais adiante, prostrou-se com o rosto por terra e rezou: ‘Meu Pai, se é possível, afaste-se de mim este cálice. Contudo, não seja feito como eu quero, mas sim como tu queres.’ 40 Voltando para junto dos discípulos, Jesus encontrou-os dormindo, e disse a Pedro: ‘Vós não fostes capazes de fazer uma hora de vigília comigo? 41 Vigiai e rezai, para não cairdes em tentação; pois o espírito está pronto, mas a carne é fraca.’ 42 Jesus se afastou pela segunda vez e rezou: ‘Meu Pai, se este cálice não pode passar sem que eu o beba, seja feita a tua vontade!’ 43 Ele voltou de novo e encontrou os discípulos dormindo, porque seus olhos estavam pesados de sono. 44 Deixando-os, Jesus afastou-se e rezou pela terceira vez, repetindo as mesmas palavras. 45 Então, voltou para junto dos discípulos e disse: ‘Agora podeis dormir e descansar. Eis que chegou a hora e o Filho do Homem é entregue nas mãos dos pecadores. 46 Levantai-vos! Vamos! Aquele que me vai trair, já está chegando.’
Lançaram as mãos sobre Jesus e o prenderam.
47Jesus ainda falava, quando veio Judas, um dos Doze, com uma grande multidão armada de espadas e paus. Vinham a mandado dos sumos sacerdotes e dos anciãos do povo. 48 O traidor tinha combinado com eles um sinal, dizendo: ‘Jesus é aquele que eu beijar; prendei-o!’ 49Judas, logo se aproximou de Jesus, dizendo: ‘Salve, Mestre!’ E beijou-o. 50 Jesus lhe disse: ‘Amigo, a que vieste?’ Então os outros avançaram lançaram as mãos sobre Jesus e o prenderam. 51 Nesse momento, um dos que estavam com Jesus estendeu a mão, puxou a espada, e feriu o servo do Sumo Sacerdote, cortando-lhe a orelha. 52 Jesus, porém, lhe disse: ‘Guarda a espada na bainha! pois todos os que usam a espada pela espada morrerão. 53 Ou pensas que eu não poderia recorrer ao meu Pai e ele me mandaria logo mais de doze legiões de anjos? 54 Então, como se cumpririam as Escrituras, que dizem que isso deve acontecer? 55 E, naquela hora, Jesus disse à multidão: ‘Vós viestes com espadas e paus para me prender, como se eu fosse um assaltante. Todos os dias, no Templo, eu me sentava para ensinar, e vós não me prendestes.’ 56 Porém, tudo isto aconteceu para se cumprir o que os profetas escreveram. Então todos os discípulos, abandonando Jesus, fugiram.
Vereis o Filho do Homem sentado à direita do Todo-poderoso.
57 Aqueles que prenderam Jesus levaram-no à casa do Sumo Sacerdote Caifás, onde estavam reunidos os mestres da Lei e os anciãos. 58 Pedro seguiu Jesus de longe até o pátio interno da casa do Sumo Sacerdote. Entrou e sentou-se com os guardas para ver como terminaria tudo aquilo. 59 Ora, os sumos sacerdotes e todo o Sinédrio procuravam um falso testemunho contra Jesus, a fim de condená-lo à morte. 60 E nada encontraram, embora se apresentassem muitas falsas testemunhas. Por fim, vieram duas testemunhas, 61que afirmaram: ‘Este homem declarou: ‘posso destruir o Templo de Deus e construí-lo de novo em três dias’.’ 62 Então o Sumo Sacerdote levantou-se e perguntou a Jesus: ‘Nada tens a responder ao que estes testemunham contra ti?’ 63 Jesus, porém, continuava calado. E o Sumo Sacerdote lhe disse: ‘Eu te conjuro pelo Deus vivo que nos digas se tu és o Messias, o Filho de Deus.’ 64 Jesus respondeu: ‘Tu o dizes. Além disso, eu vos digo que de agora em diante vereis o Filho do Homem sentado à direita do Todo-poderoso, vindo sobre as nuvens do céu.’ 65 Então o sumo sacerdote rasgou suas vestes e disse: ‘Blasfemou! Que necessidade temos ainda de testemunhas? Pois agora mesmo vós ouvistes a blasfêmia. 66 Que vos parece?’ Responderam: ‘É réu de morte!’ 67 Então cuspiram no rosto de Jesus e o esbofetearam. Outros lhe deram bordoadas, 68 dizendo: ‘Faze-nos uma profecia, Cristo, quem foi que te bateu?’
Antes que o galo cante, tu me negarás três vezes.
69 Pedro estava sentado fora, no pátio. Uma criada chegou perto dele e disse: ‘Tu também estavas com Jesus, o Galileu!’ 70 Mas ele negou diante de todos: ‘Não sei o que tu estás dizendo’. 71 E saiu para a entrada do pátio. Então outra criada viu Pedro e disse aos que estavam ali: ‘Este também estava com Jesus, o Nazareno.’ 72 Pedro negou outra vez, jurando: ‘Nem conheço esse homem!’ 73 Pouco depois, os que estavam ali aproximaram-se de Pedro e disseram: ‘É claro que tu também és um deles, pois o teu modo de falar te denuncia.’ 74 Pedro começou a maldizer e a jurar, dizendo que não conhecia esse homem!’ E nesse instante o galo cantou. 75 Pedro se lembrou do que Jesus tinha dito: ‘Antes que o galo cante, tu me negarás três vezes.’ E saindo dali, chorou amargamente.
Entregaram Jesus a Pilatos, o governador.
27, 1 De manhã cedo, todos os sumos sacerdotes e os anciãos do povo convocaram um conselho contra Jesus, para condená-lo à morte. 2Eles o amarraram, levaram-no e o entregaram a Pilatos, o governador.
Não é lícito colocá-las no tesouro porque é preço de sangue.
3 Então Judas, o traidor, ao ver que Jesus fora condenado, ficou arrependido e foi devolver as trinta moedas de prata aos sumos sacerdotes e aos anciãos, 4 dizendo: ‘Pequei, entregando à morte um homem inocente.’ Eles responderam: ‘O que temos nós com isso? O problema é teu.’ 5 Judas jogou as moedas no santuário, saiu e foi se enforcar. 6 Recolhendo as moedas, os sumos sacerdotes disseram: ‘É contra a Lei colocá-las no tesouro do Templo, porque é preço de sangue.’
7 Então discutiram em conselho e compraram com elas o Campo do Oleiro, para aí fazer o cemitério dos estrangeiros. 8 É por isso que aquele campo até hoje é chamado de ‘Campo de Sangue’. 9 Assim se cumpriu o que tinha dito o profeta Jeremias: ‘Eles pegaram as trinta moedas de prata – preço do Precioso, preço com que os filhos de Israel o avaliaram – 10 e as deram em troca do Campo do Oleiro, conforme o Senhor me ordenou!’
Tu és o rei dos judeus?
11 Jesus foi posto diante do governador, e este o interrogou: ‘Tu és o rei dos judeus?’ Jesus declarou: ‘É como dizes’, 12e nada respondeu, quando foi acusado pelos sumos sacerdotes e anciãos. 13 Então Pilatos perguntou: ‘Não estás ouvindo de quanta coisa eles te acusam?’ 14 Mas Jesus não respondeu uma só palavra, e o governador ficou muito impressionado. 15 Na festa da Páscoa, o governador costumava soltar o prisioneiro que a multidão quisesse. 16 Naquela ocasião, tinham um prisioneiro famoso, chamado Barrabás. 17 Então Pilatos perguntou à multidão reunida: ‘Quem vós quereis que eu solte: Barrabás, ou Jesus, a quem chamam de Cristo?’ 18 Pilatos bem sabia que eles haviam entregado Jesus por inveja. 19 Enquanto Pilatos estava sentado no tribunal, sua mulher mandou dizer a ele: ‘Não te envolvas com esse justo! porque esta noite, em sonho, sofri muito por causa dele.’ 20 Porém, os sumos sacerdotes e os anciãos convenceram as multidões para que pedissem Barrabás e que fizessem Jesus morrer. 21 O governador tornou a perguntar: ‘Qual dos dois quereis que eu solte?’ Eles gritaram: ‘Barrabás.’ 22Pilatos perguntou: ‘Que farei com Jesus, que chamam de Cristo?’ Todos gritaram: ‘Seja crucificado!’ 23 Pilatos falou: ‘Mas, que mal ele fez?’ Eles, porém, gritaram com mais força: ‘Seja crucificado!’ 24 Pilatos viu que nada conseguia e que poderia haver uma revolta. Então mandou trazer água, lavou as mãos diante da multidão, e disse: ‘Eu não sou responsável pelo sangue deste homem. Este é um problema vosso!’ 25 O povo todo respondeu: ‘Que o sangue dele caia sobre nós e sobre os nossos filhos’. 26 Então Pilatos soltou Barrabás, mandou flagelar Jesus, e entregou-o para ser crucificado.
Salve, rei dos judeus!
27 Em seguida, os soldados de Pilatos levaram Jesus ao palácio do governador, e reuniram toda a tropa em volta dele. 28 Tiraram sua roupa e o vestiram com um manto vermelho; 29depois teceram uma coroa de espinhos, puseram a coroa em sua cabeça, e uma vara em sua mão direita. Então se ajoelharam diante de Jesus e zombaram, dizendo: ‘Salve, rei dos judeus!’ 30 Cuspiram nele e, pegando uma vara, bateram na sua cabeça. 31 Depois de zombar dele, tiraram-lhe o manto vermelho e, de novo, o vestiram com suas próprias roupas. Daí o levaram para crucificar.
Com ele também crucificaram dois ladrões.
32 Quando saíam, encontraram um homem chamado Simão, da cidade de Cirene, e o obrigaram a carregar a cruz de Jesus. 33 E chegaram a um lugar chamado Gólgota, que quer dizer ‘lugar da caveira’. 34 Ali deram vinho misturado com fel para Jesus beber. Ele provou, mas não quis beber. 35 Depois de o crucificarem, fizeram um sorteio, repartindo entre si as suas vestes. 36 E ficaram ali sentados, montando guarda. 37 Acima da cabeça de Jesus puseram o motivo da sua condenação: ‘Este é Jesus, o Rei dos Judeus.’ 38 Com ele também crucificaram dois ladrões, um à direita e outro à esquerda de Jesus.
Se és o Filho de Deus, desce da cruz!
39 As pessoas que passavam por ali o insultavam, balançando a cabeça e dizendo: 40 ‘Tu que ias destruir o Templo e construí-lo de novo em três dias, salva-te a ti mesmo! Se és o Filho de Deus, desce da cruz!’ 41 Do mesmo modo, os sumos sacerdotes, junto com os mestres da Lei e os anciãos, também zombaram de Jesus: 42 ‘A outros salvou… a si mesmo não pode salvar! É Rei de Israel… Desça agora da cruz! e acreditaremos nele. 43 Confiou em Deus; que o livre agora, se é que Deus o ama! Já que ele disse: Eu sou o Filho de Deus.’ 44 Do mesmo modo, também os dois ladrões que foram crucificados com Jesus, o insultavam.
Eli, Eli, lamá sabactâni?
45 Desde o meio-dia até às três horas da tarde, houve escuridão sobre toda a terra. 46Pelas três horas da tarde, Jesus deu um forte grito: ‘Eli, Eli, lamá sabactâni?‘, que quer dizer: ‘Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?’ 47 Alguns dos que ali estavam, ouvindo-o, disseram: ‘Ele está chamando Elias!’ 48E logo um deles, correndo, pegou uma esponja, ensopou-a em vinagre, colocou-a na ponta de uma vara, e lhe deu para beber. 49Outros, porém, disseram: ‘Deixa, vamos ver se Elias vem salvá-lo!’ 50 Então Jesus deu outra vez um forte grito e entregou o espírito.
Aqui todos se ajoelham e faz-se uma pausa.
51 E eis que a cortina do santuário rasgou-se de alto a baixo, em duas partes, a terra tremeu e as pedras se partiram. 52 Os túmulos se abriram e muito corpos dos santos falecidos ressuscitaram! 53 Saindo dos túmulos, depois da ressurreição de Jesus, apareceram na Cidade Santa e foram vistos por muitas pessoas. 54 O oficial e os soldados que estavam com ele guardando Jesus, ao notarem o terremoto e tudo que havia acontecido, ficaram com muito medo e disseram: ‘Ele era mesmo Filho de Deus!’ 55 Grande número de mulheres estava alí, olhando de longe. Elas haviam acompanhado Jesus desde a Galiléia, prestando-lhe serviços. 56 Entre elas estavam Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago e de José, e a mãe dos filhos de Zebedeu.
José colocou o corpo de Jesus em um túmulo novo.
57 Ao entardecer, veio um homem rico de Arimateia, chamado José, que também se tornara discípulo de Jesus. 58 Ele foi procurar Pilatos e pediu o corpo de Jesus. Então Pilatos mandou que lhe entregassem o corpo. 59 José, tomando o corpo, envolveu-o num lençol limpo, 60 e o colocou em um túmulo novo, que havia mandado escavar na rocha. Em seguida, rolou uma grande pedra para fechar a entrada do túmulo, e retirou-se. 61 Maria Madalena e a outra Maria estavam ali sentadas, diante do sepulcro.
Tendes uma guarda. Ide, guardai o sepulcro como melhor vos parecer.
62 No dia seguinte, como era o dia depois da preparação para o sábado, os sumos sacerdotes e os fariseus foram ter com Pilatos, 63 e disseram: ‘Senhor, nós nos lembramos de que quando este impostor ainda estava vivo, disse: ‘Depois de três dias eu ressuscitarei!’ 64 Portanto, manda guardar o sepulcro até ao terceiro dia, para não acontecer que os discípulos venham roubar o corpo e digam ao povo: ‘Ele ressuscitou dos mortos!’ pois essa última impostura seria pior do que a primeira.’ 65 Pilatos respondeu: ‘Tendes uma guarda. Ide e guardai o sepulcro como melhor vos parecer.’ 66 Então eles foram reforçar a segurança do sepulcro: lacraram a pedra e montaram guarda.
Comentário
O Messias Padecente
O domingo de Ramos tem a mesma liturgia nos anos A, B e C, exceto para as leituras do evangelho. Estas são duas: na procissão dos Ramos, a história da entrada de Jesus em Jerusalém, uma semana antes de sua morte (portanto, no dia que hoje comemoramos); e na liturgia da Palavra, a narração da paixão e morte.
As leituras do evangelho são, respectivamente, tomadas dos três evangelistas sinóticos, Mt, Mc e Lc (no ano B, o evangelho da Entrada pode também ser o de Jô). Essa organização nos permite meditar, cada ano, a Via Crucis do Senhor conforme a sensibilidade própria de cada um destes evangelistas (o relato da Paixão segundo João é lido anualmente na Sexta-feira Santa).
Neste ano A, podemos imbuir-nos do espírito de S. Mateus ao narrar a Paixão de N. Senhor (evangelho). Importantíssimo, para Mt, é o cumprimento, na vida e morte de Jesus de Nazaré, do plano divino, expresso no A.T. Neste sentido, podemos observar como Jesus realiza a figura do Servo Padecente de Deus, apresentada na 1ª leitura (Is 50,4-7; 3° Canto do Servo de Deus), por exemplo, em Mt 26,67. Por outro lado, Mt coloca também Jesus como exemplo para os fiéis. Na cena do Getsêmani, por exemplo, Mt é o único evangelista a colocar literalmente nos lábios de Jesus a expressão do Pai-nosso: “Seja feita a tua vontade” (Mt 26,42).
A 1ª leitura merece atenção especial, porque ela representa um momento importante na “pedagogia da Salvação”: o povo de Israel, exilado, começou a entender que o plano de Deus não se realiza, necessariamente, pela força, mas antes, pela doação do “justo”. Em Jesus contemplamos a plenitude dessa “estratégia”.
O salmo responsorial, Sl 22[2l], é igualmente um dos textos que prefiguram o sofrimento do Cristo. Várias de suas expressões aplicam-se tais quais à história de Jesus (Sl 22 [21], 19 = Mt 27, 25; Sl 22 [21], 9 = 27,43; Sl 22 [21], 2 = Mt 27,46, cf tb. As semelhanças com o Sl 69 [68]). Isto significa, novamente, que Jesus realizou em plenitude a compreensão de Deus que este salmo de maneira balbuciante exprime. Até Jesus exclama as primeiras palavras deste salmo (Mt 27,46), assumindo assim toda a figura do(s) justo(s) perseguido(s). Nestas palavras expressa-se a sensação de ser abandonado por todos, até por Deus (Jesus conheceu esta “sensação”), mas elas já anunciam também a vitoriosa confiança que se manifesta no resto do salmo.
A 2ª leitura é o primeiro hino cristológico conhecido. Resume o mistério do despojamento do Senhor, que realiza a figura do Servo (cf. lª leitura) e que, por sua obediência até a morte (= o amor radical que manifesta o Deus-Amor), é glorificado no senhorio de Deus.
Ora, esta idéia do senhorio de Cristo é que inspirou o preâmbulo da liturgia de hoje: a procissão dos ramos. O dado evangélico é a entrada de Jesus em Jerusalém, na qual ele foi recebido, por uma fração do povo pelo menos, como o rei davídico (“Filho de Davi”), o Messias. Para Mt, isso significa o cumprimento das antigas promessas Messiânicas (cf. a acentuação por Mt da ascendência davídica de Jesus; cf. 4º Dom. do Adv. e Vig. de Natal). Ora, o desejo dos fiéis de se unirem a esta homenagem, cantando A glória do Senhor e abanando ramos de palmeiras, significa que eles querem inserir-se nesta realização da promessa, confirmar para sempre o significativo gesto do povo, que Jerusalém esqueceu dentro de poucos dias. No fundo, a mais antiga celebração de Cristo-Rei é a de hoje (cf. 34° dom. do T.C.).
Assim, o presente domingo é marcado pelo mistério do esvaziamento (sofrimento) por um lado e da glória (senhorio) pelo outro. A tensão entre estas duas dimensões inspirou as tradicionais antífonas e hinos desta festa (Pueri Hebraeorum e Gloria, Laus).
Entre os demais textos da liturgia de hoje, destacamos a oração do dia e o prefácio (próprio), que se inspirou na 2ª Leitura: Jesus, o justo, padecendo pelos muitos, torna-se nosso exemplo a imitar (oração final; Fl 2,5). Imitando-o, nós também nos associamos à estranha “estratégia” de Deus.
Do livro “Liturgia Dominical”, de Johan Konings, SJ, Editora Vozes
Mensagem
Obediência de Jesus até a morte
Muitos cristãos pensam que Deus obrigou Jesus a morrer para pagar com seu sangue os nossos pecados. Será que um tal Deus se pode chamar de “pai”? Que significa que Jesus foi obediente até a morte? No relato da paixão de Nosso Senhor (evangelho), Mateus vê o Messias sob o ângulo da realização do projeto do Pai (cf. 3,15). Jesus realiza o modelo do Servo-discípulo, que pede a Deus “um ouvido de discípulo” para proclamar a sua vontade com “boca de profeta” e lhe ser fiel até o fim (1ª leitura).
A fidelidade à missão de Deus é que faz de Jesus o Messias e Salvador. Jesus não veio para “fazer qualquer coisa”, mas para realizar o projeto do Pai. Ensina-nos a obediência até a morte como instrumento da salvação do mundo (2ª leitura).
Pois quem sabe o que é preciso para salvar o mundo é Deus. Ele sabe que a morte daquele que manifesta seu amor infinito é a resposta suprema ao supremo desafio do mal. Jesus poderia ter sido infiel a Deus, pois era livre. Mas então teria sido infiel a si mesmo, Servo, Discípulo, Messias e Filho. Levou a termo a obra iniciada: pregar e mostrar o amor de Deus – até no dom da própria vida.
O exemplo de Cristo nos ensina o caminho da libertação. Vamos realizar a missão de libertar o mundo pela fidelidade radical à vontade do Pai. Por isso, devemos “prestar-lhe ouvidos”- sentido original de “obediência”. Obedecer não é deserção da liberdade. É unir nossa vontade à vontade do Pai, para realizar seu projeto de amor, e a outras vontades (humanas) que estão no mesmo projeto. E é também dar ouvidos ao grito dos injustiçados, que denuncia o pisoteamento do plano de Deus. Só depois de ter escutado todas essas vozes poderemos ser verdadeiros porta-vozes, profetas, para denunciar e anunciar… Profetismo supõe obediência e contemplação.
Deus não obrigou Jesus a pagar por nós, nem desejou a morte dele. Só desejava que ele fosse seu Filho. Esperava dele a fidelidade a seu plano de amor e que ele agisse conforme este plano. Jesus foi fiel a esta missão até o fim. Quem quis a sua morte não foi Deus, e sim os homens que o rejeitaram.
Do livro “Liturgia Dominical”, de Johan Konings, SJ, Editora Vozes
franciscanos.org.br