Homilia de Domingo 10.11.2019
Evangelho
Deus comprometido com a vida
1ª Leitura: 2Mc 7,1-2.9-14
Sl 16
2ª Leitura: 2Ts 2,16-3,5
Evangelho: Lc 20, 27-38
* 27 Os saduceus afirmam que não existe ressurreição. Alguns deles se aproximaram de Jesus, e lhe propuseram este caso: 28 «Mestre, Moisés escreveu para nós: ‘Se alguém morrer, e deixar a esposa sem filhos, o irmão desse homem deve casar-se com a viúva, a fim de que possam ter filhos em nome do irmão que morreu’. 29 Ora, havia sete irmãos. O primeiro casou e morreu, sem ter filhos. 30 Também o segundo 31 e o terceiro casaram-se com a viúva. E assim os sete. Todos morreram sem deixar filhos. 32 Por fim, morreu também a mulher. 33 E agora? Na ressurreição, de quem a mulher vai ser esposa? Todos os sete se casaram com ela!» 34 Jesus respondeu: «Nesta vida, os homens e as mulheres se casam, 35 mas os que Deus julgar dignos da ressurreição dos mortos e de participar da vida futura, não se casarão mais, 36 porque não podem mais morrer, pois serão como os anjos. E serão filhos de Deus, porque ressuscitaram. 37 E que os mortos ressuscitam, já Moisés indica na passagem da sarça, quando chama o Senhor de ‘o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacó’. 38 Deus não é Deus de mortos, mas de vivos, pois todos vivem para ele.» 39 Alguns doutores da Lei disseram a Jesus: «Foi uma boa resposta, Mestre.» 40 E ninguém mais tinha coragem de perguntar coisa nenhuma a Jesus.
* 27-40: Cf. nota em Mc 12,18-27. [* 18-27: Jesus desmoraliza os saduceus, apresentando o cerne das Escrituras: Deus é o Deus comprometido com a vida. Ele não criou ninguém para a morte, mas para a aliança consigo para sempre. A vida da ressurreição não pode ser imaginada como cópia do modo de vida deste mundo.]
Bíblia Sagrada – Edição Pastoral
Comentário
A esperança da vida eterna
Para saborear a liturgia de hoje, será bom levar o povo, com arte narrativa, a deslocar-se uns vinte séculos para trás e tornar-se contemporâneo das discussões religiosas do tempo de Jesus. Como ainda muitos de nossos contemporâneos, os antigos judeus acreditavam que a virtude era recompensada pelo bem-estar: paz na terra que receberam de seus pais, longa vida e muitos filhos (esta última recompensa é menos apreciada hoje) (cf. Dt 4,40; 6,1-3 etc.). Porém, as crises nacionais fizeram suspeitar que o sentido da vida era outro. Na perseguição do século 11 a.c. (guerra dos macabeus) morreram muitos jovens virtuosos, sem ter possuído a terra, nem desfrutado uma longa vida, nem suscitado prole. Onde estava a recompensa? Foi se firmando a fé numa pós vida, já entrevista por alguns profetas e salmistas. Essa pós vida era concebida como ressurreição do homem todo; o judaísmo não imaginava uma pós-existência da alma separada (seria uma existência diminuída). Alguns acreditavam numa ressurreição dos justos, enquanto os ímpios seriam para sempre esquecidos. Parece ser a fé dos mártires macabeus, relatada pela 1ª leitura de hoje. Já o contemporâneo livro de Dn acha que a ressurreição será geral: a dos justos, para a vida; a dos ímpios, para a condenação (Dn 12,2, opinião assumida pelo N.T., p.ex., Jo 5,29; Mt 25,31-46). De toda maneira, esta fé deu uma força admirável ao povo perseguido, para resistir esperançoso às tentativas de seus perseguidores e colocar, com fidelidade irrepreensível, o nome de Deus acima de toda ambição dos poderes deste mundo.
Jesus ensinava a ressurreição dos mortos, concordando com os fariseus, que, neste ponto, representavam uma reforma dentro do judaísmo. Não partilhavam esta fé os saduceus, aristocracia sacerdotal, preocupada com a manutenção de seus privilégios e, por isso, oposta a qualquer inovação. Admitiam como Lei só os cinco livros de Moisés. Insidiosamente, expõem a Jesus um “caso” (evangelho); já que os livros de Moisés prescrevem que, quando um homem morre sem deixar prole, seu irmão deve tomar sua mulher para suscitar prole para o falecido (Dt 25,5-10), de quem seria, na ressurreição, a mulher que foi casada por sete irmãos sucessivamente, tendo todos morri do sem filhos? Querem dizer: a fé na ressurreição é um absurdo, uma invenção contrária à genuína Lei de Moisés. A resposta de Jesus é dupla: 1) Eles têm um conceito errôneo da ressurreição (e muita gente entre nós também), pois a ressurreição não é uma repetição desta vida aqui (então ela seria um absurdo mesmo), mas uma realidade nova, não regida pelas leis biológicas e psíquicas agora vigentes (comer, casar etc.): é uma realidade espiritual, da categoria da vida divina (“como os anjos”; cf. 1Cor 15,35-53: a “carne” da ressurreição não é mais “carnal”, mas “espiritual”, divinizada). 2) Eles não conhecem a Escritura, pois esta diz que os mortos não louvam Deus; ora, se Deus se chama – e bem no “livro de Moisés” (Ex 3,6) – o “Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó”, ele revela que os veneráveis patriarcas vivem, pois ele não quer ser um Deus de mortos! (cf. a maneira de indicar o céu como “seio de Abraão”: Lc 16,23).
Aprendamos disso que Deus quer ser louvado por seres vivos: ele quer nosso amor para sempre; por isso, os que o amam estarão sempre na sua presença. Mais: nossa vida verdadeira é a realização deste amor que “realiza” Deus; já agora, é a vida eterna em nós (cf. Jo 5,24). Por isso, não podemos tomar a realidade material como última meta (cf. 1 Cor 15,19), nem podemos reduzir o evangelho a uma alavanca para a transformação das estruturas materiais, embora seja necessário encarnar o amor de Deus em tal transformação (pois o homem ama com todo seu ser, também com sua organização material e social). E aprendamos sobretudo a testemunhar o evangelho apesar de todos os perigos, pois o sentido de nossa vida ultrapassa longe a precariedade do nosso existir terreno.
Do livro “Liturgia Dominical”, de Johan Konings, SJ, Editora Vozes
Mensagem
Ressurreição e vida eterna
O ano litúrgico está indo para o fim. Com o fim diante dos olhos, pensamos: depois da morte, que haverá? Ora, muita gente prefere nem pensar na morte e no que vem depois. Outros acreditam na reencarnação, uma maneira de tirar da morte seu caráter definitivo.
Bem antigamente, os israelitas não pensavam em vida pessoal depois da morte. Consolava-os a esperança de uma alta idade e da sobrevivência nos seus filhos e netos. Mas, por volta de 165 a.C., quando o rei da Síria perseguia os judeus e provocou a revolta dos Macabeus, muitos jovens morreram martirizados, sem deixar descendentes. Desde então, os judeus começaram a crer na ressurreição pessoal. A 1ª leitura narra um episódio dessa perseguição: o martírio dos sete irmãos.
Os mais conservadores, porém, os saduceus, que nunca iriam morrer num combate, caçoavam dessa fé; pior, achavam-na uma inovação perigosa. O evangelho conta que, para contrariar a pregação de Jesus, queriam provar que a ressurreição contradiz a lei de Moisés. A Lei estabelece que, quando um homem morre sem filhos, seu irmão ou parente próximo deve tomar sua mulher e gerar um descendente para seu falecido irmão (Dt 25,5-6). Assim poderia acontecer que uma mulher fosse esposa de sete maridos sucessivos. Como ficaria isso na ressurreição? Jesus responde: “Primeiro, de ressurreição vocês nada entendem. É algo totalmente diferente da vida aqui. Já não será preciso casar para continuar a vida nos descendentes, uma vez que a vida é eterna! E, segundo, vocês desconhecem os livros da Lei de Moisés, pois ai está que Deus se chamou ‘o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó’ (Ex 3,6). Ora, Deus não é um Deus dos mortos, mas dos vivos. Portanto, esses antepassados do povo estão com vida … ”
Este assunto não se esgota em cinco minutos, mas para hoje vale a seguinte lição. Não pensemos a ressurreição como mero prolongamento desta vida aqui, com todas as suas complicações, como casar etc. Nem concebamos o além da morte como reencarnação, que seria como uma segunda chance no vestibular, sem mudança radical. A ressurreição é uma realidade totalmente nova, divina, livre das limitações da vida terrena. A “ressurreição da carne” é uma transformação radical, que tomará nossa “carne” (= existência humana) totalmente diferente. Diz Paulo (1 Cor 15,44) que o que era um corpo biopsicológico (“carnal”) será transformado num corpo “espiritual”, assumido no poder vivificador de Deus que chamamos o seu Espírito. Não é fácil imaginar isso, mas podemos pensar que a vida eterna é a consagração e confirmação do amor a Deus e ao próximo que tivermos vivido aqui na terra – a única coisa que levaremos para o além!
Do livro “Liturgia Dominical”, de Johan Konings, SJ, Editora Vozes
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