Homilia de Domingo 21.07.2024
Evangelho
O banquete da vida
1ª Leitura: Jr 23,1-6
Sl 22
2ª Leitura: Ef 2,13-18
Evangelho: Mc 6, 30-34
* 30 Os apóstolos se reuniram com Jesus e contaram tudo o que haviam feito e ensinado. 31 Havia aí tanta gente que chegava e saía, a tal ponto que Jesus e os discípulos não tinham tempo nem para comer. Então Jesus disse para eles: «Vamos sozinhos para algum lugar deserto, para que vocês descansem um pouco.» 32 Então foram sozinhos, de barca, para um lugar deserto e afastado. 33 Muitas pessoas, porém, os viram partir. Sabendo que eram eles, saíram de todas as cidades, correram na frente, a pé, e chegaram lá antes deles.34 Quando saiu da barca, Jesus viu uma grande multidão e teve compaixão, porque eles estavam como ovelhas sem pastor. Então começou a ensinar muitas coisas para eles.
* 30-44: Enquanto Herodes celebra o banquete da morte com os grandes, Jesus celebra o banquete da vida com o povo simples. Marcos não diz o que Jesus ensina, mas o grande ensinamento de toda a cena está no fato de que não é preciso muito dinheiro para comprar comida para o povo. É preciso simplesmente dar e repartir entre todos o pouco que cada um possui. Jesus projeta nova sociedade, onde o comércio é substituído pelo dom, e a posse pela partilha. Mas, para que isso realmente aconteça, é preciso organizar o povo. Dando e repartindo, todos ficam satisfeitos, e ainda sobra muita coisa.
Bíblia Sagrada – Edição Pastoral
Comentário
A compaixão de Jesus, pastor messiânico
O evangelho esboça o quadro para a ação seguinte de Jesus, a multiplicação dos pães. Os discípulos voltam de seu “estágio pastoral”, contam tudo o que fizeram. E Jesus, dando um exemplo para a Igreja futura, os convida a descansar na sua presença, num lugar deserto (o deserto, em Mc e em muitas páginas da Bíblia, é o lugar onde Deus fala a seu povo). Mas aí acontece o inesperado: chegando ao lugar deserto, encontram uma multidão de gente, que acorreu por terra ao lugar aonde se dirigira o barco. Decepção no plano humano, mas hora da graça no plano de Deus. E então, Jesus tem compaixão da multidão, “porque eram como ovelhas sem pastor”. Esta breve frase de Mc 6,34 evoca um mundo: toda a tradição bíblica acostumada a falar em Deus como o “Pastor de Israel” (cf. Is 40,11), título dado também a Moisés (Is 63, 11), aos reis e, sobretudo, ao rei messiânico, anunciado por Jr, Ez e Zc. Para quem sabe ler, significa que ele é o Pastor escatológico que chegou. Jesus, movido de compaixão (qualidade primordial de Deus: cf. Ex 34, 5-6) assume ser o pastor dessas ovelhas que não têm pastor, vindas de todos os lados para encontrá-lo (imagens de Ez 34 e 36). Uma situação humana inesperada torna-se realização da reunião escatológica do rebanho de Deus. Pela incansável “com-paixão” do Cristo, prepara-se a mesa para o banquete escatológico.
O simbolismo do pastor, no A.T., tem várias facetas. Nos textos clássicos de Jr, Ez e Zc encontramos a oposição entre o bom pastor (Deus ou seu enviado) e os maus pastores, que são os chefes de Israel e Judá (cf. festa de Cristo Rei/A). Que o significado do bom Pastor oscila entre Deus e seu enviado não é um problema para o leitor oriental: ele sabe que o pastor não é necessariamente o dono do rebanho; pode ser seu homem de confiança. Em Sl 23[22] (salmo responsorial), Jr 23,1-3 (1ª leitura), Ez 34,1-22, o pastor é Deus mesmo; em Jr 23,4-6 e Ez 34,23-24 e, sobretudo, em Zc 9,14, trata-se de seu(s) enviado(s). O N.T. vê a realização desta figura em Jesus Cristo (Mc 6,34; 14,27 cf. 16,7 e par; Jo 10, 1Pd2,25). A imagem do pastor nos lembra ainda a ternura descrita em Is 40,11.
No presente contexto predomina o fato de reunir o rebanho: a reunião escatológica das tribos dispersas. Falar do Bom Pastor significa falar de unidade (cf. Jo 10). Neste sentido, a 2ª leitura de hoje vem sublinhar a mensagem da 1ª leitura e do evangelho. Enquanto em outros textos, por exemplo, Rm 3,21-25, a idéia da reconciliação pelo sangue do Cristo – simbolismo cultual tomado do A.T. – se refere à reconciliação do homem com Deus, Ef 2 a aplica à superação da divisão da humanidade, divisão entre “o povo” (Israel) e “as nações” (pagãs). Agora, em Cristo, os que estavam longe (os helenistas, a quem a carta é dirigida) aproximaram-se. Isso foi realizado pelo sangue de Cristo, isto é, por sua morte, que marcou o fim do sistema de justificação baseado na Lei judaica, até então parede divisória da humanidade (alusão à parede que confinava, no templo de Jerusalém, o “átrio dos gentios”). Ef retoma aqui um tema caro a Paulo: se Jesus foi condenado pela Lei, mas ressuscitou, quem foi condenado é a Lei (cf. Gl 3,13-14). A Lei não mais separa os que pertencem a Cristo, sejam judeus, sejam gentios. Assim, Jesus anunciou a “paz” (o dom messiânico) aos de longe (os pagãos) e aos de perto (os judeus), linguagem que evoca a reunião escatológica presente também no simbolismo do pastor (cf. 1ª leitura e evangelho).
Do conjunto destas leituras depreendemos uma idéia para ser meditada: a reconciliação do homem com Deus o une com seus irmãos. Na prática, porém, o homem, muitas vezes, usa Deus para justificar discriminação, ódio, perseguição. De modo aberto, quando uma convicção religiosa se torna ideologia de combate. De modo velado, no coração do indivíduo, quando alguém se acha superior por razões religiosas. Jesus fez “dos dois um só povo”, “um só corpo”, o “homem novo”, “em si mesmo” (“linguagem corporativa”: a descendência está no patriarca, a comunidade no seu fundador). Este único corpo é, ao mesmo tempo, o do Cristo e o da comunidade constituída por ele. Ele veio a nós, dando-nos o poder de nos aproximar do Pai: movimento recíproco, cuja iniciativa está do lado da graça de Deus. Uma religião agressiva não é de Jesus Cristo. Este morreu, não para separar, mas para aproximar. Aquele que morreu por todos pode servir de pretexto para qualquer discriminação.
Do livro “Liturgia Dominical”, de Johan Konings, SJ, Editora Vozes
Mensagem
A compaixão pastoral de Jesus
No domingo passado vimos a missão dos doze apóstolos. Hoje, assistimos à volta dos doze. Cumpriram tão bem seu primeiro “estágio pastoral” que Jesus os convida para um piquenique ou um dia de retiro na margem do lago de Genesaré. Entram no barco, navegam uns quilômetros e, quando chegam no lugar desejado, encontram uma multidão de pessoas que os viram partir e correram pela margem até lá. Decepção? Não. “Jesus encheu-se de compaixão por eles, porque eram como ovelhas sem pastor”(evangelho). Jesus se torna pastor para essas ovelhas. E o que faz? “Pôs-se a ensinar muitas coisas”.
No Antigo Testamento, pastor é aquele que orienta e conduz. Vai à frente das ovelhas para conduzi-las a pastar. Assim eram chamados pastores os chefes do povo de Israel: os reis Moisés, o Messias, e sobretudo: Deus mesmo (Sl 23 [22]; 95 [94], 7 etc). E é assim que na 1ª leitura de hoje Deus mesmo se apresenta, à diferença dos maus pastores (Jr. 23, 1-6). Os maus pastores dispersam o rebanho, o bom pastor reconduz os dispersos.
O projeto de reconduzir o povo recebe sua plena realização em Jesus de Nazaré. Ele procura um lugar tranqüilo para os discípulos, mas topa com uma multidão carente de pastor. Então tem compaixão deles e começa a ensinar-lhes as coisas do Reino. Temos aí a origem da “pastoral”. A pastoral é colocar em prática a “compaixão” pelo povo. Não a compaixão de chamar alguém de coitado, sem fazer nada. Mas a “paixão” que nos faz sentir “com” o povo.
Acolher o povo, ensinar-lhes as coisas do Reino, tudo o que Jesus faz para o povo com vista ao Reino é “pastoral”em proveito de Deus, é cuidar de seu rebanho. Por isso, Jesus dará até a vida (Jô 18,11-18). O que faz algo ser pastoral não é tal ou tal atividade determinada, mas o intuito com que ela é assumida: transformar um povo sem rumo em povo conduzido por Deus.
Por isso, hoje, o importante não é multiplicar atividades chamando-as de pastoral, mas cuidar de que os que as realizam tenham alma de pastor, atitude de pastor: acolhida, liderança e amor até doar a própria vida.
Pastoral é conduzir o povo pelo caminho de Deus. É inspirada não pelo desejo de poder, mas pelo espírito de serviço. Jesus não procurou arrebanhar o povo para si. Inclusive, vendo o entusiasmo equivocado, se retirou (Jô 6,14-15). Ele procura levar o rebanho ao Pai, nada mais. Ser pastor não é auto-afirmação, mas o dom de orientar carinhosamente o povo eclesial para Deus.
Do livro “Liturgia Dominical”, de Johan Konings, SJ, Editora Vozes
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