Homilia de Domingo 02.06.2024
Evangelho
Jesus liberta da lei
1ª Leitura: dT 5,12-15
sL 80 (81)
2ª Leitura: 2Cor 4,6-11
Evangelho: Mc 2,23-3,6
23 Num dia de sábado, Jesus estava passando por uns campos de trigo. Os discípulos iam abrindo caminho, e arrancando as espigas. 24 Então os fariseus perguntaram a Jesus: «Vê: por que os teus discípulos estão fazendo o que não é permitido em dia de sábado?» 25 Jesus perguntou aos fariseus: «Vocês nunca leram o que Davi e seus companheiros fizeram quando estavam passando necessidade e sentindo fome? 26 Davi entrou na casa de Deus, no tempo em que Abiatar era sumo sacerdote, comeu dos pães oferecidos a Deus e os deu também para os seus companheiros. No entanto, só os sacerdotes podem comer desses pães.» 27 E Jesus acrescentou: «O sábado foi feito para servir ao homem, e não o homem para servir ao sábado. 28 Portanto, o Filho do Homem é senhor até mesmo do sábado.»
* 1 Jesus entrou de novo na sinagoga, onde estava um homem com a mão seca. 2 Havia aí algumas pessoas espiando, para verem se Jesus ia curá-lo em dia de sábado, e assim poderem acusá-lo. 3 Jesus disse ao homem da mão seca: «Levante-se e fique no meio.» 4 Depois perguntou aos outros: «O que é que a Lei permite no sábado: fazer o bem ou fazer o mal, salvar uma vida ou matá-la?» Mas eles não disseram nada. 5 Jesus, então olhou ao seu redor, cheio de ira e tristeza, porque eles eram duros de coração. Depois disse ao homem: «Estenda a mão.» O homem estendeu a mão e ela ficou boa. 6 Logo depois, os fariseus saíram da sinagoga e, junto com alguns do partido de Herodes, faziam um plano para matar Jesus.
* 23-28: O centro da obra de Deus é o homem, e cultuar a Deus é fazer o bem ao homem. Não se trata de estreitar ou alargar a lei do sábado, mas de dar sentido totalmente novo a todas as estruturas e leis que regem as relações entre os homens. Porque só é bom aquilo que faz o homem crescer e ter mais vida. Toda lei que oprime o homem é lei contra a própria vontade de Deus, e deve ser abolida.
* 3,1-6: Jesus mostra que a lei do sábado deve ser interpretada como libertação e vida para o homem. Ao mesmo tempo, partidos que eram inimigos entre si reúnem-se para planejar a morte desse profeta: afinal, ele está destruindo a idéia de religião e sociedade que eles tinham.
Bíblia Sagrada – Edição Pastoral
Comentário
Jesus, o Senhor do sábado
Às vezes pretende-se que Jesus de Nazaré tenha sido apenas um rabino um tanto original, bastante liberal em alguns pontos (p.ex., a questão do sábado), muito radical em outros (p.ex., o divórcio). Praticamente todos os posicionamentos de Jesus, inclusive a prioridade do amor, se encontram seja no próprio A.T., seja nos escritos do judaísmo rabínico. A observação é interessante. Faz suspeitar que Jesus foi o “Filho de Deus” não tanto por aquilo que ele disse, mas antes por toda sua existência, pelas opções concretas, as palavras oportunas ou inoportunas, o desafio decisivo que ele propunha às pessoas e instituições. O Reino de Deus, trazido presente por Jesus, não consiste numa doutrina abstrata, mas numa palavra, uma mensagem provocadora, que exige opção, em situações decisivas. Pode ser que tudo o que Jesus disse os rabinos o tenham dito também; a questão é que Jesus o disse em tal contexto, em tal circunstância, com tal intenção. O tema de hoje é um exemplo disso.
A instituição do sábado (1ª leitura) recebeu, na teologia do A.T., várias interpretações. A mais conhecida é a da teologia sacerdotal, presente no hino da criação em Gn 1,1-2,4: o homem deve descansar no sábado, em sinal de adoração de Deus, que descansou de sua obra, no sétimo dia. Uma outra visão do sábado encontra-se na teologia deuteronomista (em redor de Sofonias e Jeremias). Insiste no valor humano do sábado (por isso devem participar também os escravos e até os animais), mas sobretudo na referência à Aliança: como a Páscoa, também o sábado é uma lembrança da libertação do Egito. Os dois pensamentos são unidos no raciocínio de Dt 5,15: deixa teu escravo descansar, porque tu também foste escravo no Egito e Javé te libertou.
Nesta visão, o sábado tem grande valor social; conscientiza os israelitas de que eles são uma comunidade dedicada a Deus. Na mesma linha situa-se o ideal do ano sabático (deuteronomista também), como ano de restauração da comunidade pela restituição das terras e a anistia das dívidas.
Entretanto, o farisaísmo do tempo de Jesus não parece ter aderido a essa teologia. A sacralização pós-exílica fez do sábado uma espécie de tabu: intocável (5). Contudo, já que se devia viver, admitiram uma certa casuística, como aquela mencionada em Lc 13,15; 14,5 e Mt 12,11. Em vez de ser um elemento da amizade que une Deus com seu povo, o sábado torna-se uma lei bastante extrínseca, com a qual é preciso negociar. Esquece-se o sentido da instituição sabática – a misericórdia divina e a dignidade humana -, sobrando apenas a forma: a prescrição da não atividade. É o que se chama: formalismo.
Jesus sempre procura a vontade original de Deus. Também na questão do sábado (evangelho): “O sábado foi feito para o homem, e não o homem para o sábado” (Mc 2,27). Jesus defende a posição de que é permitido fazer o bem no dia de sábado (Me 3,4). Por trás desta interpretação humanista do sábado, Mc esconde mais uma “revelação velada” da autoridade divina de Jesus. À palavra de 2,27, ele acrescenta um jogo de palavras: o sábado é feito para o homem, e o Filho do Homem é dono do sábado. Em outros termos, tomando a posição que ele toma na discussão, Jesus se posiciona como Senhor e Juiz escatológico. De modo semelhante, no texto seguinte, ele não apenas defende que se pode fazer o bem no sábado, mas desafia seus adversários, conhecendo seu ódio mortal. Pergunta: “É permitido fazer o bem ou fazer o mal, salvar uma vida ou matar?” Ele fez o bem e salvou uma vida; eles fazem o mal e ameaçam sua vida (cf. 3,6). O que está em questão não é tanto o sábado, quanto a própria pessoa de Jesus, sua “autoridade”.
Assim, Jesus não apenas propõe uma interpretação humanitária do sábado. Ele provoca uma decisão. Sua interpretação humanista encarna, por assim dizer, o reconhecimento da autoridade do Filho do Homem, que vem trazer presente a visão de Deus sobre nossa vida. E a rejeição revela a dureza de coração que ele vem julgar.
A 2ª leitura rompe a unidade entre a 1ª leitura e o evangelho, mas é rica demais para ser deixada fora da liturgia. Paulo descreve seu apostolado como um tesouro em vaso de barro. Mas é bom que seja assim: pois deste modo todo mundo pode ver que sua força vem de Deus e não do homem. O vaso de barro é a fragilidade e a opressão que caracterizam a vida do apóstolo. Mas quando o vaso quebra, revela-se seu conteúdo: a vida de Cristo (2Cor 4,11).
(5). O sábado havia-se tomado um distintivo do israelita num mundo dominado pelas “nações”. Mas nem toda a teologia judaica concordava com a visão rigorosa. Certos rabinos ensinavam que Deus no sétimo dia não cria, mas mantém a obra da criação; em Jo 5.17ss. Jesus diz que o Pai trabalha sempre …
Do livro “Liturgia Dominical”, de Johan Konings, SJ, Editora Vozes
Mensagem
O Dia do Senhor
Considera-se grande progresso a abertura do comércio, aos domingos, nos hipermercados e shopping-centers. A distinção entre dia útil e domingo caiu. Qual é a prática cristã a respeito do “Dia do Senhor”, o domingo?
O termo “Dia do Senhor”, na Bíblia, não indica em primeiro lugar o domingo, mas o dia em que Deus mostra sua atuação (o êxodo e a derrota dos egípcios no Mar Vermelho é “o dia que o Senhor fez”), sobretudo no fim da História (o juízo final). O descanso semanal chama-se o shabbat. Os primeiros cristãos descansavam em honra de Deus no sábado, como os judeus; e na noite do sábado para o “primeiro dia da semana” celebravam a ressurreição de Jesus (cf. Mt 28, 1; Mc 16,2; Lc 24,1; Jo 20,1.19.24; 1 Cor 16,2). Como a “ressuscitação” de Jesus foi a atuação de Deus por excelência e, além disso, estava na perspectiva da volta final, essa celebração acabou recebendo o nome de “Dia do Senhor”, entendendo-se por “Senhor” o Cristo ressuscitado. Em latim, dizia-se dies Domini ou dies dominicalis, de onde nosso “domingo”, que é de fato o primeiro da semana. O cristão começa a semana com cara de domingo e não de segunda-feira …
A 1ª leitura nos ensina que o sentido profundo do “repouso” semanal (shabbat) é a libertação. Na escravidão do Egito, os israelitas não podiam descansar. Na Terra Prometida, eles gozavam do descanso no sétimo dia, em recordação e agradecimento a Deus que os libertou da escravidão. Por isso, deviam conceder descanso também a seus empregados e mesmo ao gado. Se não fizessem assim, comportar-se-iam como o faraó do Egito! Descansar e deixar descansar é marca do povo de Deus. O sábado pertence a Deus, é “dia do Senhor”.
No tempo de Jesus, os mestres da lei achavam a imobilidade no sábado mais importante que a razão de sua celebração, a libertação. Transformaram o fazer-nada em obsessão em vez de sinal da libertação. Criticam Jesus porque permite aos discípulos arrancarem umas espigas, e tramam sua morte porque, no sábado, cura um homem com a mão doente (evangelho). Mas, para Jesus, o sábado é para o bem da pessoa humana. Ele diz isso em virtude de sua autoridade como Filho do Homem, plenipotenciário de Deus (Me 2,28).
Os cristãos transferiram o repouso semanal para o novo “dia do Senhor”, o domingo da ressurreição de Jesus, sobrepondo à lembrança da libertação do Egito a da libertação dos laços da morte. O descanso nesse dia não deve ser absolutizado, como algo que existe para si. É um sinal, uma recordação, uma referência. Deve ser interpretado com o “divino humanismo” de Jesus, como uma instituição para o bem do ser humano. Por isso, a Igreja permite a manutenção dos serviços essenciais, no domingo. Mas prescreve “abster-se das atividades e negócios que impeçam o culto a ser prestado a Deus, a alegria própria do dia do Senhor e o devido descanso da mente e do corpo” (Catec. Igr. Cat.). Como quer o sentido inicial em Israel, é preciso libertar-se do trabalho-escravidão. E da escravidão do consumismo …
O domingo é também o dia da comunidade cristã, que recorda a ressurreição de Cristo na celebração da Eucaristia. Neste espírito, o domingo serve para aprofundar a caridade e a solidariedade, mesmo em forma de mutirão ou de outros serviços livres e libertadores.
Do livro “Liturgia Dominical”, de Johan Konings, SJ, Editora Vozes
franciscanos.org.br
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