Homilia de Domingo 18.06.2023
Evangelho
A origem da missão
1ª Leitura: Ex 19,2-6a
Sl 99
2ª Leitura: Rm 5,6-11
Evangelho: Mt 9,36-10,8
36 Vendo as multidões, Jesus teve compaixão, porque estavam cansadas e abatidas, como ovelhas que não têm pastor. 37 Então Jesus disse a seus discípulos: «A colheita é grande, mas os trabalhadores são poucos! 38 Por isso, peçam ao dono da colheita que mande trabalhadores para a colheita.» 1 Então Jesus chamou seus discípulos e deu-lhes poder para expulsar os espíritos maus, e para curar qualquer tipo de doença e enfermidade. 2 São estes os nomes dos Doze Apóstolos: primeiro Simão, chamado Pedro, e seu irmão André; Tiago e seu irmão João, filhos de Zebedeu; 3 Filipe e Bartolomeu; Tomé e Mateus, o cobrador de impostos; Tiago, filho de Alfeu, e Tadeu; 4 Simão, o Cananeu, e Judas Iscariotes, que foi o traidor de Jesus.
-* 5 Jesus enviou os Doze com estas recomendações: «Não tomem o caminho dos pagãos, e não entrem nas cidades dos samaritanos. 6 Vão primeiro às ovelhas perdidas da casa de Israel. 7 Vão e anunciem: ‘O Reino do Céu está próximo’. 8 Curem os doentes, ressuscitem os mortos, purifiquem os leprosos, expulsem os demônios. Vocês receberam de graça, dêem também de graça!
* 35-38: Mateus apresenta um resumo da atividade de Jesus (cf. 4,23), mostrando a raiz da ação dele: nasce da visão da realidade, que o leva a compadecer-se, isto é, a sentir junto com o povo cansado e abatido. O trabalho é grande, e necessita de pessoas dispostas a continuar a obra de Jesus. A comunidade deve assumir a preocupação de levar a Boa Notícia do Reino ao mundo inteiro, consciente da necessidade de trabalhadores disponíveis para essa missão divina.
* 10,1-4: Os discípulos recebem o mesmo poder de Jesus: desalienar os homens (expulsar demônios) e libertá-los de todos os males (curar doenças). Os doze apóstolos formam o núcleo da nova comunidade, chamada a continuar a palavra e ação de Jesus.
* 5-15: A missão é reunir o povo para seguir a Jesus, o novo Pastor. Ela se realiza mediante o anúncio do Reino e pela ação que concretiza os sinais da presença do Reino. A missão se desenvolve em clima de gratuidade, pobreza e confiança, e comunica o bem fundamental da paz, isto é, da plena realização de todas as dimensões da vida humana. Os enviados são portadores da libertação; rejeitá-los é rejeitar a salvação e atrair sobre si o julgamento.
Bíblia Sagrada – Edição Pastoral
Comentário
Deus precisa da gente
Deus quis precisar do ser humano. Quis ter um povo para si, um povo santo, um povo “sacerdotal”, para santificar o mundo todo em seu nome; um povo que fizesse sua vontade, realizasse seu reino: “um reino de sacerdotes e uma nação consagrada” (Ex 19,6; 1ª leitura). Essa vocação do povo, na ocasião da proclamação da Lei no monte Sinai, prefigura aquela vocação mais plena que, no monte da Galileia, Jesus dirigiu a doze humildes galileus. Eles são como que representantes das doze tribos de Israel, e ele os manda para a colheita messiânica, para ceifar com a palavra do evangelho, anunciando a vinda do Reino. Eles são o começo do verdadeiro Israel, o novo povo de Deus. Os sinais disso são os prodígios que os acompanham na sua missão: curam enfermos, limpam leprosos, ressuscitam mortos, expulsam demônios … (Mt 10,8, evangelho).
Mt inseriu esse episódio, significativamente, depois dos dois conjuntos iniciais da atividade de Jesus, sua pregação (Mt 5-7) e sua atividade milagrosa (Mt 8-9). A missão que os apóstolos recebem é, exatamente, a de pregar e de curar: fazer a mesma coisa que fez o Messias. Eles são seus colaboradores e continuadores na ceifa messiânica. Jesus quer pôr um fim à situação desoladora de um povo que é como ovelhas sem pastor (9,36). Conforme a linguagem de Ezequiel, nos últimos tempos, Deus mesmo, através de seu Messias, reunirá as ovelhas dispersas e se tomará o Bom Pastor (Ez 34). É nesta missão que os apóstolos vão participar, realizando, assim, a plenitude do povo eleito, dos cooperadores de Deus.
Acreditamos que a Igreja é a comunidade construída sobre o fundamento dos apóstolos, a “Apostólica”. Ela não está em função de si mesma, mas é povo-testemunha de Deus e do seu Enviado. Ela recebe a tarefa de pregar a Boa-Nova e confirmá-Ia por sinais que mostrem a “graça”, a amizade de Deus. A Boa-Nova, a mensagem do Reino, é inesgotável, porque é o próprio plano de Deus, a “justiça” de Deus, o bem que ele sonhou e que agora vai ser executado. Anunciar o Reino de Deus é, pois, colocar-se a serviço de sua justiça, como o servo de Deus, o Justo e Santo, o Filho que pertence plenamente ao Pai. A Igreja, se ela quiser ser evangelizadora – não apenas organizadora ou doutrinadora -, terá que ser transformada, sempre de novo, pela graça de Deus, numa comunidade que lhe é dedicada, que lhe é “própria”: um povo santo. E esta santidade deverá mostrar-se em atos, que serão sinais de que Deus está com ela, como eram os sinais dos profetas e de Jesus mesmo, quando curava o povo. Que esses sinais escapem às conhecidas leis da física é secundário; nem todos os milagres são fisicamente inexplicáveis.
O importante é que os gestos do profeta e da comunidade profética testemunhem uma presença ativa de Deus, falem de Deus, sejam sinais visíveis do Invisível. Reivindicar a justa distribuição dos bens econômicos pode ser um desses sinais. O mesmo se pode dizer da ação em prol dos direitos humanos, da conservação do ambiente natural etc. Tais atividades estão no mesmo plano que curar os enfermos e ressuscitar os mortos, os prodígios que Jesus mandou os Doze fazerem em sinal da boa-nova do Reino de Deus. Mas o importante é, sobretudo, a proclamação desse Reino, que é transcendente e, a rigor, invisível, pois ele ultrapassa sempre aquilo que a gente vê, e é sempre mais exigente do que a gente pensa. É o reino do amor sem fim.
A 2ª leitura continua apresentando o texto de Rm 5,6-11, que vem oportunamente sublinhar um subentendido fundamental das duas outras leituras: a “compaixão”, a misericórdia, o amor gratuito de Deus. Ele nos amou enquanto éramos inimigos (onde já se viu?) e deu seu Filho por nós.
Importa explicitar, hoje, que a missão dos Doze não concerne só a eles: o número “doze” representa as 12 tribos do novo Israel, que é a Igreja do Cristo. Nós somos o povo de Deus, o povo de testemunhas e cooperadores de sua justiça e de seu reino (cf. prefácio dom. do T.C. I).
Do livro “Liturgia Dominical”, de Johan Konings, SJ, Editora Vozes
Mensagem
Os doze apóstolos e o novo povo de Deus
O evangelho narra a vocação e missão dos doze apóstolos de Jesus. O número doze tem um significado simbólico muito forte. No Antigo Testamento, Deus escolheu as doze tribos de Israel para ser seu “povo sacerdotal”, povo que devia celebrar e mostrar aos outros povos a santidade de Javé, sua Lei e seu reino (1ª leitura). Ora, o evangelho conta que Jesus encontrou a massa popular abatida e exausta. Pediu, então, operários para a “colheita messiânica”, para reconstituir, a partir dessa massa dispersa, o povo de Deus. De acordo com a estrutura do antigo povo das doze tribos, nomeia doze representantes do novo povo de Deus. Eles serão os operários da colheita. Esses doze operários, Jesus os manda anunciar o reino e curar as doenças. E, pensando no “aqui e agora”, os manda primeiro às ovelhas desgarradas de Israel. Depois de sua ressurreição, enviá-los-á a todas as nações (Mt 28,16-20).
Nosso povo também está abatido, oprimido. Observamos a decadência social, e até física, das populações da periferia e do interior, a desorientação dos jovens, a violência crescente etc. Isso não nos deve desanimar: é um desafio. A consciência comunitária e a missão evangelizadora podem transformar a situação, como acontece, por exemplo, em comunidades de base que realmente vivem o evangelho.
Pelo número dos seus “operários”, Jesus manifestou a intenção de constituir um povo novo para Deus. De imediato, mandou-os às ovelhas perdidas do povo de Israel. Jesus reconstruiu o povo com base nos símbolos de sua tradição religiosa e cultural, tomando como referência as doze tribos de Israel. Isso é uma lição para nós. Povo para Deus não se constrói destruindo sua identidade. Será que nós respeitamos, ou melhor, devolvemos à multidão popular (índios, negros … ) sua identidade? Damo-Ihes representantes conforme as feições próprias deles?
Além disso, Jesus os envia a anunciar e a curar. As curas são sinais de que no âmbito da missão de Jesus se realiza o que Deus deseja, o bem de seus filhos. Em nossa missão evangelizadora, a palavra deve ser acompanhada da prática transformadora. É preciso levar “amostras do Reino”.
Deus e Jesus quiseram a ajuda de um povo. O Reino de Deus não pode ser realizado sem o povo, ainda que fraco e até inconfiável (como revela o caso de Judas). O paternalismo pastoral (fazer para, mas não com .. .) é condenável. O povo deve participar ativamente, pelo anúncio e pela ação transformadora, da realização do Reino de Deus.
Do livro “Liturgia Dominical”, de Johan Konings, SJ, Editora Vozes
franciscanos.org.br