Homilia de Domingo 24.07.2022
Evangelho
O «Pai Nosso»
1ª Leitura: Gn 18,20-32
Sl 137
2ª Leitura: Cl 2,12-14
Evangelho: Lc 11, 1-13
O «Pai Nosso» -* 1 Um dia, Jesus estava rezando em certo lugar. Quando terminou, um dos discípulos pediu: «Senhor, ensina-nos a rezar, como também João ensinou os discípulos dele.» 2 Jesus respondeu: «Quando vocês rezarem, digam: Pai, santificado seja o teu nome. Venha o teu Reino. 3 Dá-nos a cada dia o pão de amanhã, 4 e perdoa-nos os nossos pecados, pois nós também perdoamos a todos aqueles que nos devem; e não nos deixes cair em tentação.»
Pedir com confiança -* 5 Jesus acrescentou: «Se alguém de vocês tivesse um amigo, e fosse procurá-lo à meia-noite, dizendo: ‘Amigo, me empreste três pães, 6 porque um amigo meu chegou de viagem, e não tenho nada para oferecer a ele’. 7 Será que lá de dentro o outro responderia: ‘Não me amole! Já tranquei a porta, meus filhos e eu já nos deitamos; não posso me levantar para lhe dar os pães?’ 8 Eu declaro a vocês: mesmo que o outro não se levante para dar os pães porque é um amigo seu, vai levantar-se ao menos por causa da amolação, e dar tudo aquilo que o amigo necessita. 9 Portanto, eu lhes digo: peçam, e lhes será dado! Procurem, e encontrarão! Batam, e abrirão a porta para vocês! 10 Pois, todo aquele de que pede, recebe; quem procura, acha; e a quem bate, a porta será aberta. 11 Será que alguém de vocês que é pai, se o filho lhe pede um peixe, em lugar do peixe lhe dá uma cobra? 12 Ou ainda: se pede um ovo, será que vai lhe dar um escorpião? 13 Se vocês, que são maus, sabem dar coisas boas aos filhos, quanto mais o Pai do céu! Ele dará o Espírito Santo àqueles que o pedirem.»
* 11,1-4: Os mestres costumavam ensinar os discípulos a rezar, transmitindo o resumo da própria mensagem. O Pai Nosso traz o espírito e o conteúdo fundamental de toda oração cristã. Esta oração se faz na intimidade filial com Deus (Pai), apresentando-lhe os pedidos mais importantes: que o Pai seja reconhecido por todos (nome); que sua justiça e amor se manifestem (Reino); que, na vida de cada dia, ele nos dê vida plena (pão de amanhã); que ele nos perdoe como nós repartimos o perdão; que ele não nos deixe abandonar o caminho de Jesus (tentação).
* 5-13: O Evangelho insiste na oração perseverante e confiante. Se os homens são capazes de atender ao pedido de amigos e filhos, quanto mais o Pai! Ele nada recusará. Pelo contrário, dará o Espírito Santo, isto é, a força de Deus que leva o homem a viver conforme a vida de Jesus Cristo.
Bíblia Sagrada – Edição Pastoral
Comentário
A oração do discípulo
Pessoas muito racionalistas experimentam geralmente dificuldade quanto à oração de súplica. Acham bom rezar para adorar ou agradecer, pois reconhecem que a vida é um dom e que existe um ser transcendente e perfeito, que se chama Deus. Mas pedir que este ser se ocupe com nosso dia-a-dia lhes parece metafisicamente ingênuo e praticamente pouco atraente, pois torna Deus muito familiar. Ora, aquele que sustenta todo ser, também não sustenta nosso dia-a-dia? Ou será que as poucas leis físicas, psicológicas, econômicas e sociológicas que conhecemos são realmente tão abrangentes que não sobre mais espaço para Deus? (Em vez de pensar que estas leis são uma parte do sustento que ele nos fornece em cada momento.)
Seja como for, Jesus nos ensinou a pedir e a suplicar, até com insistência. Fala de uma viúva que pede, pede até cansar o juiz; de um vizinho que bate, à noite, até que o dono se levanta para se ver livre dele (evangelho). Faz pensar em Abraão, que, ao rezar por Sodoma e Gomorra (1ª leitura), lê a lição a Deus: “Não podes perder os justos com os injustos, é uma questão de honra!” E Deus atende. “Cada vez que te invoquei, me deste ouvido”, reza o Sl 138 [137] (salmo responsorial).
A oração de Abraão, como também a da viúva e do vizinho, nos ensinam uma coisa importante: pedem coisas com que Deus se possa comprometer. Parece que pedem a Deus o que, no fundo, ele mesmo deseja. Esse é o segredo da oração eficiente (além de nossa insistência). Por isso, Jesus ensina a seus discípulos, e a todos nós, rezar primeiro para que Deus encontre reconhecimento e seu Reino venha (Mt 6, 10 explicita: “Tua vontade seja feita”). Dentro deste quadro de referências, podemos e devemos rezar por nosso pão de cada dia, por perdão (pois somos eternos devedores), por ficar incólumes na tentação. Devemos rezar por isso, com insistência, não tanto porque Deus não soubesse o que precisamos, mas para nos abrirmos para o que ele nos que dar. Pedindo, a gente se convence mais a si mesmo do que a Deus. Pedir é cultivar nossa fé, nossa confiança filial, é deixar crescer Deus como nosso Pai, em nossa consciência e em toda a nossa vida. É voltar a ser crianças – condição para entrar no Reino (cf. Lc 18,17). É por isso que os intelectuais tão dificilmente pedem.
Com estas considerações não queremos justificar a oração que reduz Deus a um quebra-galho ou tapa-buraco, às vezes até para causas que não condizem com seu Reino (para um bom negócio … pouco importa que outra pessoa fique prejudicada). Queremos revalorizar a oração mediadora, em que minha confiança filial em Deus me leva a extravasar diante de Deus aquilo que habita meu coração: o irmão, o próximo a quem eu quero bem, mas que eu velo em dificuldade. Como Abraão pelos habitantes de Sodoma. Não é absurdo. Se o mundo não é feito somente com as leis físicas, psicológicas e sociológicas que estão nos manuais, mas com o mistério da vida, não há dúvida de que a preocupação amorosa, que extravasamos até diante de Deus, será operante, pela graça daquele mesmo que sustenta toda a vida.
“Ninguém salva a ninguém”. Será? Ninguém é salvo se não quer. Mas, em Cristo, existe uma comunhão de vida entre aqueles que buscam a fonte da vida, que é Deus. Esta comunhão de vida faz com que Cristo nos redima (2ª leitura). Desde que participemos da vida que ele viveu (o que é significado pelo batismo, imersão na sua morte, para que ressuscitemos com ele para uma vida nova), podemos dizer que a santidade de Cristo salda nossas dívidas e que sua morte por amor supre nossa falta de amor (com a condição de nos arrependermos). Como nós mesmos perdoamos alguém a pedido de uma pessoa amiga (pai, mãe, irmão … ), assim nossa comunhão (amizade) com Cristo vale para nos restabelecer na amizade de Deus. E também nossa oração de intervenção junto a Deus será eficaz.
Do livro “Liturgia Dominical”, de Johan Konings, SJ, Editora Vozes
Mensagem
Orar e pedir
Certos cristãos, julgando-se esclarecidos, acham as orações de nosso povo muito egoístas, porque são quase sempre orações de pedido. Ora, as leituras de hoje sublinham a importância da petição. Abraão com seus incansáveis pedidos quase salvou as cidades de Sodoma e Gomorra. Infelizmente, as cidades eram ruins demais (1ª leitura). Jesus, por seu lado, ensina aos discípulos o Pai-nosso, uma oração de pedido (evangelho). O Pai-nosso pede inicialmente que a vontade de Deus seja feita. Ora, uma vez que rezamos em harmonia com a vontade e o desejo de Deus, podemos pedir bastante. Jesus até compara este modo de rezar com um alguém que tira o vizinho da cama para pedir um pão para um hóspede inesperado … Parece ensinar-nos a vencer Deus no cansaço! E, no fundo, Deus gosta de dar-nos suas dádivas boas, seu espírito, pois mesmo nós – que somos ruins – gostamos de dar coisa boa aos filhos.
A oração de petição não é uma forma de oração mais egoísta que a meditação, a louvação, o agradecimento, a adoração … Na verdade, agradecer é a outra face do pedir. Quem agradece, gostou. Por que não pedir então? É reconhecer a bondade do doador! Como o frei que, depois de lauto almoço na casa de uma benfeitora, testemunhou sua gratidão com estas palavras: “Senhora, não sei como agradecer… será que posso repetir aquela gostosa sobremesa?”
Conforme o espírito do Pai-nosso devemos pedir antes de tudo a realização daquilo que Deus deseja: sua vontade, seu Reino. Ora, uma vez assentada esta base, pode-se pedir – com toda a simplicidade – o pão de cada dia, saúde, vida e todos os demais dons que Deus nos prepara. Inclusive, o perdão de nossas faltas. Só não se deve pedir a Deus o que Deus não pode desejar: a satisfação de nosso egoísmo. E sempre se deve lembrar que Deus sabe melhor do que nós o que nos convém. Podemos insistir naquilo que achamos sinceramente nosso bem … mas Deus sabe melhor.
É importante pedirmos. Compromete! Depois de ter pedido, a gente já não pode dizer: “Não pedi!” Comprometemo-nos com Deus e com aquilo que pedimos. Não é como no supermercado, onde você entra, olha e sai sem comprar. É como no armazém da esquina, onde você pede o que deseja e, caso tiver, você compra. Assim as preces dos fiéis, na celebração da comunidade, devem ter sentido de compromisso: devemos querer mesmo que elas se realizem, e oferecermo-nos a Deus para colaborar na realização daquilo que pedimos. Pedir é comprometer-se. Se pedimos a Deus saúde, não é para gozar egoisticamente a vida, mas para servir melhor. Se pedimos paz, não é para sermos deixadas em paz, mas para dedicar-nos à comunhão fraterna. Se pedimos por nossos irmãos e nossas irmãs mais pobres, é porque queremos ajudá-los efetivamente. Importa saber como pedimos (cf. Tg 4,3).
Do livro “Liturgia Dominical”, de Johan Konings, SJ, Editora Vozes
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