Homilia de Domingo: 27.03.2022
Evangelho
O amor do Pai
1ª Leitura: Js 5, 9a. 10-12
Salmo: 33
2ª Leitura: 2Cor 5,17-21
Evangelho: Lc 15, 1-3.11-32
-* 1 Todos os cobradores de impostos e pecadores se aproximavam de Jesus para o escutar. 2 Mas os fariseus e os doutores da Lei criticavam a Jesus, dizendo: «Esse homem acolhe pecadores, e come com eles!»
3 Então Jesus contou-lhes esta parábola: Os dois filhos -* 11 Jesus continuou: «Um homem tinha dois filhos. 12 O filho mais novo disse ao pai: ‘Pai, me dá a parte da herança que me cabe’. E o pai dividiu os bens entre eles. 13 Poucos dias depois, o filho mais novo juntou o que era seu, e partiu para um lugar distante. E aí esbanjou tudo numa vida desenfreada. 14 Quando tinha gasto tudo o que possuía, houve uma grande fome nessa região, e ele começou a passar necessidade. 15 Então foi pedir trabalho a um homem do lugar, que o mandou para a roça, cuidar dos porcos. 16 O rapaz queria matar a fome com a lavagem que os porcos comiam, mas nem isso lhe davam. 17 Então, caindo em si, disse: ‘Quantos empregados do meu pai têm pão com fartura, e eu aqui, morrendo de fome… 18 Vou me levantar, e vou encontrar meu pai, e dizer a ele: – Pai, pequei contra Deus e contra ti; 19 já não mereço que me chamem teu filho. Trata-me como um dos teus empregados’. 20 Então se levantou, e foi ao encontro do pai.
Quando ainda estava longe, o pai o avistou, e teve compaixão. Saiu correndo, o abraçou, e o cobriu de beijos. 21 Então o filho disse: ‘Pai, pequei contra Deus e contra ti; já não mereço que me chamem teu filho’. 22 Mas o pai disse aos empregados: ‘Depressa, tragam a melhor túnica para vestir meu filho. E coloquem um anel no seu dedo e sandálias nos pés. 23 Peguem o novilho gordo e o matem. Vamos fazer um banquete. 24 Porque este meu filho estava morto, e tornou a viver; estava perdido, e foi encontrado’. E começaram a festa.
25 O filho mais velho estava na roça. Ao voltar, já perto de casa, ouviu música e barulho de dança. 26 Então chamou um dos criados, e perguntou o que estava acontecendo. 27 O criado respondeu: ‘É seu irmão que voltou. E seu pai, porque o recuperou são e salvo, matou o novilho gordo’. 28 Então, o irmão ficou com raiva, e não queria entrar. O pai, saindo, insistia com ele. 29 Mas ele respondeu ao pai: ‘Eu trabalho para ti há tantos anos, jamais desobedeci a qualquer ordem tua; e nunca me deste um cabrito para eu festejar com meus amigos. 30 Quando chegou esse teu filho, que devorou teus bens com prostitutas, matas para ele o novilho gordo!’ 31 Então o pai lhe disse: ‘Filho, você está sempre comigo, e tudo o que é meu é seu. 32 Mas, era preciso festejar e nos alegrar, porque esse seu irmão estava morto, e tornou a viver; estava perdido, e foi encontrado’.»
* 15,1-2: O capítulo 15 de Lucas é o coração de todo o Evangelho (= Boa Notícia). Aí vemos que o amor do Pai é o fundamento da atitude de Jesus diante dos homens. Respondendo à crítica daqueles que se consideram justos, cheios de méritos, e se escandalizam da solidariedade para com os pecadores, Jesus narra três parábolas. A primeira e a segunda mostram a atitude de Deus em Jesus, questionando a hipocrisia dos homens. A terceira tem dois aspectos: o processo de conversão do pecador e o problema do «justo» que resiste ao amor do Pai.
* 11-32: O processo de conversão começa com a tomada de consciência: o filho mais novo sente-se perdido econômica e moralmente. A acolhida do pai e as medidas tomadas mostram não só o perdão, mas também o restabelecimento da dignidade de filho. O filho mais velho é justo e perseverante, mas é incapaz de aceitar a volta do irmão e o amor do pai que o acolheu. Recusa-se a participar da alegria. Com esta parábola, Jesus faz apelo supremo para que os doutores da Lei e os fariseus aceitem partilhar da alegria de Deus pela volta dos pecadores à dignidade da vida.
Bíblia Sagrada – Edição Pastoral
Comentário
A alegria da reconciliação e renovação
Hoje é Laetare, dia das rosas em Roma e dia de alegria no meio da penitência. Como combinar alegria e penitência? A penitência tem por fim a alegria, porque é inspirada pelo desejo de Deus. A penitência, no A.T., chama-se “volta”. O que isso significa, descreve-nos o mestre-narrador Lucas, na parábola do Filho Pródigo (evangelho).
O filho pródigo foi longe, geográfica e moralmente. Mas sentindo falta do amor autêntico de seu pai e indigno a seus próprios olhos de ser chamado filho de tão bondoso pai, voltou parasua casa. Essa volta foi uma alegria, em primeiro lugar, para o pai! Este é o mistério do domingo Laetare. Enquanto nós estamos ainda impressionados com nossas desistências, egoísmos e rejeições passadas, Deus já enxerga a vida nova que brota em nós, e alegra-se. O que estava morto, voltou a viver; o que estava perdido, foi encontrado (Lc 15,32; cf. 19,10).
A 2ª leitura nos ajuda a penetrar no sentido destas palavras finais do pai do filho pródigo: a reconciliação (em Cristo) é uma nova criação. O velho passou, tudo é novo. A vergonha de nosso pecado é apagada. Deus mesmo tornou “(sacrificio pelo) pecado” seu Filho (que não conheceu o pecado), para que nós fôssemos sem pecado. Nestas palavras, percebemos um eco da 1ª leitura: assim como Israel, no fim do êxodo da escravidão, celebrou, já na Terra Prometida, a sua “passagem” com o pão novo, sem o velho fermento, agora tudo é novo (cf. 1Cor 5,7-8).
Para muita gente, o que Jesus conta no evangelho parece fácil demais. O filho pródigo, “esse sem-vergonha”, esbanja tudo, depois volta para casa, Deus perdoa e tudo está bem de novo. É fácil demais e, além disso, injusto para quem acha que fez tudo direitinho e não ganhou nada por isso. Ora, quem fala assim não entende nada de Deus. Deus não é um fiscal. É um criador. Ele criou sem estar devendo nada a ninguém. Ele também não fica devendo ao pecado que nós fazemos, quando decide recriar-nos. Basta que o deixemos fazer. Esse “deixar Deus fazer” é, exatamente, a conversão. E é exatamente o que o filho mais velho não faz. Não dá a Deus a alegria de fazer uma nova criação!
A conversão de um pecador é dificil. Exige que ele queira sair “da sua”. Mais difícil, porém, é a conversão de quem se considera justo. Será então melhor ser pecador? Eu até diria que sim, num certo sentido: é menos perigoso ser autêntico na desobediência e no egoísmo do que, por medo ou por implícito cálculo de compensação, esconder o que se tem por dentro e ficar endurecido pelo fato de agir sem convicção, sem ânimo …
Ora, como muitos fiéis que vêm às nossas igrejas estão na posição do filho mais velho, a tarefa da catequese litúrgica para este domingo é bastante dificil: como tirar o calo da auto-suficiência dos corações dos bons cristãos? Porém, se isto não acontecer, não poderão participar da alegria do Laetare … “Ilumina, Senhor, nossos corações com o esplendor de tua graça” (oração final).
Do livro “Liturgia Dominical”, de Johan Konings, SJ, Editora Vozes
Mensagem
Reconciliação em Cristo, alegria da volta
Antigamente, a proximidade da Páscoa causava, em alguns, nervosismo, em outros, piedosa alegria: era o momento de fazer a confissão pascal… A liturgia de hoje nos fala da alegria da volta e reconciliação. No quadro apresentado pela 1ª leitura, os hebreus chegam ao fim de sua peregrinação pelo deserto. Estão entrando na Terra Prometida e podem esquecer a vergonha de sua escravidão. Celebram a Páscoa, comendo o pão sem fermento dos primeiros frutos da terra recebido de Deus. O evangelho descreve filho pródigo que volta para seu pai, o qual o acolhe com uma alegria do tamanho do seu amor, pois seu filho “estava morto e voltou à vida, estava perdido e foi encontrado”. Assim, a Iiturgia de hoje é uma grande exortação para que o pecador volte à alegria que Deus lhe destina. Basta que se entregue a Cristo, admitindo, no seu coração, que a morte de Jesus por amor nos reconciliou e que a vida dele nos indica o rumo a seguir.
Por que não dar ouvido a essa exortação? Aquele que vive estraçalhado por desejos egoístas, contraditórios e insaturáveis, por que não volta a viver a benfazeja doação da vida, a exemplo de Jesus? O que sente remorsos por estar injustiçando seus semelhantes, por que não repara sua injustiça para reencontrar a paz? Quem se deixou seduzir pelas drogas, consciente de estar num beco sem saída, por que não imita o exemplo do filho pródigo? Aquele que sabe que sua riqueza causa a pobreza de muitos, por que não se esforça para, em espírito de comunidade, criar estruturas de participação?
Se Jesus contou a parábola que hoje é apresentada, é porque sua missão serve para instaurar essa relação nova entre Deus e os homens. A fé, a união com Cristo implica essa nova relação com Deus, o encontro do arrependimento do pecador com a misericórdia de Deus, ao qual dizemos: “Volta-te para nós, para que voltemos a ti!” Pois o pai misericordioso já estava voltado para ele antes que ele voltasse … Basta aderir radicalmente a Cristo, na comunhão de sua Igreja, para encontrar o caminho da reconciliação, a alegria da volta, a Terra Prometida.
A Igreja recebeu de Cristo um sinal para marcar com sua garantia essa reconciliação: o sacramento da penitência ou da volta. Quem sinceramente se confessa, pode estar seguro de sua reconciliação com Deus. Este sacramento encontra muita resistência porque ninguém gosta de se sentir julgado. Mas o evangelho de hoje mostra exatamente que Deus não quer julgar o pecador, quer simplesmente apertá-lo nos braços. A confissão deve ser apresentada não como julgamento, mas como acolhida. O que importa não é o passado, a lista de pecados a apresentar, e sim, o futuro: o abraço acolhedor do Pai.
Do livro “Liturgia Dominical”, de Johan Konings, SJ, Editora Vozes