O chamado de Mateus é um dos mais interessantes de todos! Se levarmos em consideração como os cobradores de impostos eram vistos, ninguém convidaria um deles para fazer parte de um grupo religioso. Ninguém menos Jesus, que enxergava além das aparências.
Os textos que narram esse episódio, Mt 9,9 e Mc 2, 14, foram retratados por Caravaggio (1571-1610) num quadro de 3,40m x 3,20m, na igreja de S. Luís dos Franceses, em Roma, junto a outras duas pinturas que retratam S. Mateus escrevendo o Evangelho e sendo martirizado.
Convido você, querido leitor, a, antes de continuar a leitura, olhar com atenção a imagem do quadro. Já olhou? Olhe de novo, preste atenção nos detalhes. Vá lá, eu espero… Isso, agora podemos continuar…
A cena é composta por dois grupos de personagens: do lado esquerdo de quem olha estão Mateus e seus colegas, e do direito, Jesus e Pedro. Se você olhou com atenção, talvez tenha percebido a diferença nas roupas: Jesus e Pedro estão vestidos como galileus do primeiro século, enquanto que a turma de Mateus veste roupas mais modernas, como se usava na época em que a pintura foi feita. Isso foi feito para mostrar que Jesus é um personagem histórico (não fictício ou imaginário) e que seu chamado continua hoje, no nosso tempo, na nossa realidade. Se o quadro fosse pintado hoje, um dos personagens poderia estar usando terno e gravata, outro calça jeans e camiseta, etc.
Olhemos agora para Jesus e Pedro: Jesus aponta para Mateus, indicando Sua escolha, com o dedo da mesma forma que o Adão da Capela Sistina, pintado por Michelângelo, porque Cristo é o Novo Adão, que veio consertar o erro do primeiro e ser o primogênito de muitos irmãos, o fundador de uma nova família, que é a Igreja. Pedro repete o gesto de Jesus mas de uma forma mais tímida, como se estivesse perguntando: “aquele homem, Jesus? Tem certeza?”. Mesmo com dúvida, inseguro, Pedro segue o Mestre. Isso se chama Fé!
Reparemos agora nos outros personagens. O mais próximo de Pedro, de costas para nós, joga corpo para trás, esquivando-se de um possível chamado. Na frente dele, um adolescente olha para Jesus com um certo desdém, como se dissesse: “não somos o tipo de gente que você procura. Nenhum de nós ‘é de igreja’”. Ao lado dele um barbudo, que poderia ser o “alvo” de Jesus, faz questão de jogar a batata quente para o homem de cabeça baixa ao seu lado. Ao contrário de Jesus, porém, ele aponta com o dedo em riste, pois trocou a delicadeza do Mestre por uma acusação seca. O homem para quem ele aponta não tem a menor ideia do que esteja acontecendo, pois está totalmente absorto no dinheiro, bem como o de óculos, no fundo, que também não olha para Jesus. Se formos falar de vocação para um grupo de jovens hoje, as reações serão semelhantes: uns tentarão apenas se esquivar, pelo medo do compromisso, outros olharão com desdém, outros jogarão a batata quente para aquele que tem “cara de padre” ou que é muito tímido, enquanto outros ainda não estarão dando a mínima importância, concentrados que estão nos celulares.
Na parte superior do quadro, vemos uma grande área escura, uma janela com uma cruz e um facho de luz, que, curiosamente, não entra pela janela, para mostrar que não é uma luz natural, e sim algo divino, pois vem de cima e, embora passe por cima da cabeça de Jesus, banha Seu rosto de luz. Sim, a vocação é um mistério (área escura) que só pode ser compreendido à luz de Deus, do Seu Amor manifestado na pessoa de Cristo, que na cruz doou Sua vida por nós.
Mas quem é Mateus? O barbudo? O de cabeça baixa? O de óculos? Pouco importa, porque Mateus, na verdade, é você, sou eu, somos nós. Que essa obra de arte nos inspire a abandonarmos o medo, a tirarmos o foco das coisas materiais e a abraçarmos o compromisso de seguir Jesus, a única luz capaz de brilhar no meio das trevas do mundo.
Contribuição de: Pe. Emílio Bortolini Neto
Vigário da Paróquia Santa Bárbara, Bituruna