Jesus ensinou que o homem não vive somente de pão, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus (Cf. Mt 4,4). Indo em direção contrária, a Modernidade se firmou na subjetividade do sujeito, preferindo a palavra do homem sempre mais, chegando a verdadeiro narcisismo na Pós-Modernidade. Mas, por mais que possa construir sistemas bem engendrados de pensamentos nas diversas áreas do conhecimento, a fonte da vida não está no próprio homem e, facilmente percebemos que nenhum desses sistemas conseguem fazer a humanidade ter vida plena.
Ao prescindir do dado da possibilidade do pecado, ou seja, que mora com ele não só o bem, mas também o mal, ao qual pode escolher, e cujo fruto maduro é o pecado, o homem vê desmoronar todas as tentativas meramente humanas de estabelecer o bem por si mesmo.
Diante da epopeia humana sobre a Terra, tão marcada por tantas fissuras, por tantos descaminhos e diante de tantos resultados funestos da ação do homem na história, fica a pergunta: até quando não ouviremos a voz de Deus? E para nós cristãos, até quando não a ouviremos expressa na sua Palavra, as Sagradas Escrituras e especialmente nos Evangelhos, onde nos fala o próprio Deus em pessoa, ou seja, na pessoa da Palavra feita carne, Jesus Cristo?
As consequências atuais de não ouvirmos a voz do Senhor está por toda parte a nos alertar sobre este nosso gravíssimo erro fundado na soberba de ouvirmos tão somente a nós mesmos. Vejamos, por exemplo, a consequência na alta dos preços durante uma pandemia gravíssima como a que atravessamos. Em vez de ouvir a voz de Deus falando da fraternidade gerada pela compaixão com o sofrimento de tantos empobrecidos, muitos se aproveitam para aumentar seus lucros, tornando-se ainda mais ricos em cima do sofrimento alheio.
Em vez de ouvir a voz de Deus que nos fala pela capacidade que deu ao homem de usar dos conhecimentos científicos para ajudar a proteger a vida de tantos perigos, muitos preferem ficar indiferentes às mais de 500 mil mortes somente no Brasil, posicionando-se de forma ideológica e negacionista, tratando a dor alheia como sentimentalismos exacerbados ou ainda optando por não adotar as devidas medidas protetivas comprovadas cientificamente e até mesmo, preferindo dar ouvidos aos desejos de prazer, frequentando festas clandestinas e lugares que não adotam as devidas precauções.
O que não pensar também da recusa em se ouvir milhares de especialistas em clima e meio ambiente, os quais têm emitido incessantes alertas à humanidade acerca das possíveis tragédias relacionadas à destruição de nossas florestas, da poluição sistemática dos nossos rios e mares, da extinção de inúmeras espécies da fauna e da flora? Tais cientistas afirmam que é bastante plausível que a tragédia que nos espera é muitíssimo mais grave do que a da atual pandemia da Covid-19.
Se ouvíssemos a voz de Deus, nosso agir seria fraterno e, em vez de acumularmos sempre mais, nos preocuparíamos em socorrer os mais sofridos com os nossos bens. Também se a ouvíssemos acerca da obra da criação, em vez de depredar a natureza, ferindo a terra por ganância de lucros, a administraríamos em parceria com o Criador. Se ouvíssemos ainda a sua Palavra, em vez de cultivar divisões de todo tipo, dentro de nós, entre nós e com o mundo, teríamos aquela paz que tanto buscamos sem a encontrar. “Se hoje ouvirdes a minha voz, não fecheis o coração como fizeram os vossos pais, apesar de terem visto as minhas obras” (Cf. Sl 94, 7-8) assim ainda nos fala o Senhor. Oxalá possamos começar por hoje, por agora a ouvir a sua voz e continuar a fazê-lo em todo o tempo do nosso viver sobre a terra, a fim podermos evitar ouvir o seu lamento um dia a nos dizer: “Assim declara Yahweh, o SENHOR, o teu Redentor, o Santíssimo de Israel: Eu Sou Yahweh, o teu Deus, que te ensina o que é útil e te guia pelo caminho em que deves andar! Ah! Se tivesses dado atenção aos meus mandamentos e princípios! Então seria a tua paz como um rio calmo, e a tua justiça como as brancas e fortes ondas do mar. De igual forma a tua posteridade seria como a areia, e os teus descendentes, como os grãos da areia: o seu nome jamais correria o risco de ser eliminado da minha presença, tampouco veríeis a destruição” (Is 48, 17-19).
Por, Dom Walter Jorge
Bispo da Diocese de União da Vitória