Por, Prof. Paulo Eduardo de Oliveira. paulo.eduardo.oliveira@hotmail.com
A Exortação Familiaris Consortio, de São João Paulo II, que estamos meditando nestes breves artigos, faz-nos também refletir sobre a realidade dos filhos na família cristã. As reflexões do Papa vêm de encontro com a mentalidade de nosso tempo, pois vivemos no contexto de uma cultura do individualismo. “Cada um que pense em si, e que Deus pense em todos”: parece ser esse o lema dessa cultura que colocou o indivíduo no centro das atenções e que procura, a todo custo, satisfazer mais ao “eu” do que ao “nós”.
O reflexo dessa mentalidade individualista pode ser percebido em vários aspectos: no aumento da pobreza, no aumento da violência, no aumento dos divórcios, no aumento da intolerância, no aumento da solidão etc. Contudo, é também no campo da paternidade e da maternidade que vemos o quanto a mentalidade individualista afeta a vida das famílias. Nas últimas décadas, sobretudo nos países ditos desenvolvidos, houve uma dramática diminuição da natalidade. Na Europa, por exemplo, a maioria das famílias não tem filhos ou tem apenas um. O desenfreado controle de natalidade e a prática criminosa do aborto (paradoxalmente legalizado em muitos países do mundo) revelam também a mentalidade individualista de quem quer viver para si, não para os outros, mesmo que esses “outros” sejam seus próprios filhos.
Curiosamente, muitos casais preferem “adotar” animais de estimação a ter filhos! Isso pode parecer uma opção inocente, mas que revela o enfraquecimento do coração humano e sua crescente inabilidade para a vivência do verdadeiro amor, que é necessariamente abertura ao outro ser humano.
Recordando o que nos ensina a Constituição Pastoral Gaudium et Spes, do Vaticano II, o Papa João Paulo II assim escreve: “Segundo o desígnio de Deus, o matrimônio é o fundamento da mais ampla comunidade da família, pois que o próprio instituto do matrimônio e o amor conjugal se ordenam à procriação e educação da prole, na qual encontram a sua coroação” (Exortação Familiaris Consortio, n. 14). Fica claro, portanto, que a opção de um casal por não ter filhos é uma escolha ilegítima, que contraria a própria finalidade da aliança matrimonial, conforme a perspectiva cristã.
É da própria natureza do verdadeiro amor a abertura ao outro. Sem esta abertura que acolhe o outro, o amor deixa de ser amor, tornando-se apenas egoísmo. No caso do amor matrimonial, vale o mesmo princípio: sem a abertura ao outro, que também é representado pela figura dos filhos, não existe verdadeiro amor. Por isso, assim escreve o Papa João Paulo II: “Na sua realidade mais profunda, o amor é essencialmente dom e o amor conjugal, enquanto conduz os esposos ao «conhecimento» recíproco que os torna «uma só carne» (Gn 2,24), não se esgota no interior do próprio casal, já que os habilita para a máxima doação possível, pela qual se tornam cooperadores com Deus no dom da vida a uma nova pessoa humana. Deste modo os cônjuges, enquanto se doam entre si, doam para além de si mesmo a realidade do filho, reflexo vivo do seu amor, sinal permanente da unidade conjugal e síntese viva e indissociável do ser pai e mãe” (Exortação Familiaris Consortio, n. 14).
Deus, que é amor (1Jo 4,8), também abriu seu coração para nos criar e nos acolher como filhos. Na sua onipotência divina, Deus não precisava de nada e de ninguém: Ele é o único que pode bastar a si mesmo. Mas, porque tem um coração cheio de amor, capaz de sair de si e de abrir-se aos outros, Deus nos criou e nos fez seus filhos. Assim, os pais cristãos devem inspirar-se no amor de Deus e dele fazer derivar seu amor pelos próprios filhos. Por isso, assim escreve o Papa João Paulo II: “Tornando-se pais, os esposos recebem de Deus o dom de uma nova responsabilidade. O seu amor paternal é chamado a tornar-se para os filhos o sinal visível do próprio amor de Deus, «do qual deriva toda a paternidade no céu e na terra» (Ef 3,15)” (Exortação Familiaris Consortio, n. 14).
Porém, devemos estar atentos a esta realidade, como alerta o Papa Wojtyla: “Não deve todavia esquecer-se que, mesmo quando a procriação não é possível, nem por isso a vida conjugal perde o seu valor. A esterilidade física, de facto, pode ser para os esposos ocasião de outros serviços importantes à vida da pessoa humana, como por exemplo a adopção, as várias formas de obras educativas, a ajuda a outras famílias, às crianças pobres ou deficientes” (Exortação Familiaris Consortio, n. 14).
Concluamos esta reflexão rezando, com o salmista, esta tão bela oração, que nos recorda o valor dos filhos no coração de nossas famílias: “Se o Senhor não edificar a casa, em vão trabalham os construtores. (…) Olhai: os filhos são uma bênção do Senhor; o fruto das entranhas, uma verdadeira dádiva. Como flechas nas mãos de um guerreiro, assim são os filhos nascidos na juventude. Feliz o homem que deles encheu a sua aljava! Não será envergonhado pelos seus inimigos, quando com eles discutir às portas da cidade” (Sl 127/126, 1.3-5).